Pastoral redigida para o Boletim Dominical da Primeira Igreja Batista em Manoel Corrêa
Sem dúvida, o maior erro de quem defende o
palavrão como adequado ao vocabulário dos cristãos, é tomar como certo o
caráter chulo de algumas expressões bíblicas; isto é, concluir, sem qualquer
fundamentação, que sempre que a Bíblia trata de questões de natureza sexual, o
faz por meio de palavras de baixo calão. Essa postura, obviamente, é resultado
de uma interpretação anacrônica, baseada nas experiências de quem lê, e não na
intenção do autor bíblico; ou seja, os apologistas da “boca suja” entendem que
os personagens bíblicos agiam naquela época exatamente como eles agem hoje:
usando palavrões para se referir à genitália ou ao ato sexual.
Partindo desse pressuposto, os advogados do
palavrão afirmam que a referência à promiscuidade da mãe de Jefté, em Juízes
11.1, seria uma clara evidência do uso de palavras de baixo calão nas
Escrituras. Contudo, essa argumentação não se sustenta; pois, sabe-se que é perfeitamente
possível tratar de qualquer assunto sem utilizar linguagem obscena. É possível
até mesmo descrever o ato sexual sem utilizar um xingamento sequer. Portanto,
não há como afirmar com convicção que a narrativa citada contém um linguajar
inapropriado. Afinal, dizer que alguém é filho de uma prostituta não é o mesmo
que proferir um palavrão. Até porque, se entendermos que um vocabulário polido
não elimina a conotação chula de certos temas, teremos de admitir, por exemplo,
que uma aula sobre reprodução humana, ministrada por um profissional da
medicina é, na verdade, uma sessão pornográfica.
Outra falha dos xingadores é não levar em
conta os eufemismos presentes no hebraico do Antigo Testamento. Eufemismo é uma
“figura de linguagem baseada na substituição de palavra ou expressão de sentido
grosseiro, indecente ou desagradável por outra de sentido mais leve e
conveniente” (AULETE, 2004, p. 349). A Bíblia está repleta desse recurso
estilístico. Senão vejamos: a palavra frequentemente usada pelos autores bíblicos
para indicar a relação sexual, o hebraico yāda‘ (Gênesis 4.1,17),
significa, na verdade, conhecer; o que demonstra que se trata claramente de um
eufemismo. O mesmo ocorre com o verbo nāga‘ (tocar), porquanto, seu uso
evidencia que, no contexto bíblico (Gênesis 20.6; Provérbios 6.29), “tocar uma
mulher é um eufemismo para ter relações sexuais com ela” (VANGEMEREN, 2011, p.
25).
Outrossim, vale ressaltar que, no o Antigo
Testamento, são raras as referências específicas à genitália. O órgão sexual
masculino, assim como o feminino, geralmente é chamado de bāšār, termo
hebraico que significa carne, e não designa propriamente a genitália. Ou seja,
mais um eufemismo. As poucas menções diretas à genitália são feitas através das
palavras )eshek (testículo) e ‘orlâ (prepúcio), as quais aparecem
em textos destituídos de caráter obsceno. )Eshek, por exemplo, é
mencionado em um texto (Levítico 21.20) que relaciona as deficiências físicas
que poderiam excluir o sacerdote do exercício de sua função. Semelhantemente, o
termo ‘orlâ pertence a um contexto pactual, no qual se detalha o rito da
circuncisão (Gênesis 17.11). O que poderia haver de obsceno nisso? Só uma mente
cauterizada para enxergar malícia ou obscenidade nesse texto.
Destarte, à luz do uso abundante dessa figura
de linguagem nas Escrituras, fica difícil concordar com os cristãos xingadores.
Afinal de contas, seria no mínimo contraditório, se os escritores bíblicos não
vissem problema algum nos palavrões, mas se empenhassem em suavizar expressões
grosseiras lançando mão de eufemismos. Seria como “coar o mosquito e deixar
passar o camelo”.
Continua...
Pr. Cremilson
Meirelles
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AULETE, Francisco Júlio de Caldas. Dicionário
contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
VANGEMEREN, Willem A. Novo dicionário
internacional de teologia e exegese do antigo testamento. Vol. 3. São
Paulo: Cultura Cristã, 2011.
O CRENTE PODE FALAR PALAVRÃO? – PARTE IV
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