Após muita
relutância, decidi escrever algo sobre a relação entre instituição e igreja. Isto,
com o fito de responder a alguns questionamentos suscitados por defensores de
um pensamento anti-institucionalista, cuja posição tem se mostrado contrária a
toda e qualquer estrutura religiosa hierarquizada e burocratizada. Reconheço,
entretanto, que muitos deles têm o desejo sincero de servir a Cristo
integralmente, e até concordo com algumas de suas colocações. Discordo apenas
da aparente animosidade demonstrada pelos mesmos quando se trata das igrejas
locais e das denominações evangélicas, além de divergir de alguns de seus
conceitos. Antes, porém, quero sublinhar que não nutro nenhum ressentimento em
relação a eles. Por isso, quero manter essa discussão no campo das ideias. Não
tenho a intenção de criticar pessoas, mas sim de refletir acerca do
relacionamento entre igreja e instituição.
Ao tratar de
um tema tão controverso, creio que o primeiro passo deve ser a conceituação.
Até porque, como discorrer sobre aquilo que não sabemos o que é? Muitos erros,
inclusive, decorrem justamente do entendimento equivocado de alguns termos.
Esta, na verdade, não é uma deficiência de alguns, mas uma dificuldade inerente
a toda humanidade. Há um abismo entre nós no tocante à comunicação. Tentamos
transpô-lo por meio das palavras. Contudo, estas nem sempre expressam com
precisão o que pensamos. Às vezes, queremos dizer uma coisa, mas o receptor
compreende outra totalmente diferente. Assim, com o escopo de viabilizar um
melhor entendimento, começaremos trilhando a senda etimológica.
O termo
instituição origina-se do latim institutio,
derivado de institutus, particípio
passado de instituere, que dá a ideia
de definir, estabelecer. A palavra é formada do prefixo latino in (em) somado ao verbo statuere (fazer ficar em pé)[1]. O sentido original da expressão evoca a noção
de fundar ou principiar algo. Esse “algo” sempre teve um caráter coletivo,
ainda que não se tratasse, necessariamente, de uma estrutura organizacional.
Este conceito parcial de instituição, na verdade, foi posteriormente atribuído
à palavra. Porquanto, na sua essência, o termo não aponta exclusivamente para
um espaço físico, uma entidade, estabelecimento ou organização pública ou
privada, mas diz respeito às normas e regras que cosem a tessitura da
sociedade. Esses preceitos, costumes ou leis duradouras, estabelecidos formal
ou informalmente, com efeito, estruturam as relações sociais, sendo, por conta
disso, sancionados pela sociedade. No entanto, em virtude de seu caráter
coletivo, as instituições, podem ser vistas como expressão da cultura de um
povo, variando, por conseguinte, geográfica e cronologicamente.
De acordo com
Roland de Vaux (2004, p.15), renomado historiador e arqueólogo francês, “instituições
de um povo são as formas de vida social que esse povo aceita por costume,
escolhe livremente ou recebe de uma autoridade”. Dando sequência ao raciocínio,
de Vaux afirma que “os indivíduos se submetem às instituições, mas estas, por
sua vez, não existem senão em função da sociedade que regem, quer se trate de
uma sociedade familiar, política ou religiosa”. Em suma, instituições são
estruturas cognitivas que regulam as relações humanas, em suas dimensões
políticas, religiosas, familiares, econômicas, etc.
À luz desse
pensamento, percebemos claramente que não há como nos desvencilharmos das
instituições, pois elas são o cimento da vida social. A família, o casamento,
os ritos sociais e religiosos, a divisão do tempo, a metrologia, são exemplos
de instituições de um povo. Trata-se de instâncias que antecedem a existência
do indivíduo, sendo, portanto, exteriores a este. Isto é, já nascemos ligados à
realidade institucional. Somos inseridos coercitivamente nessa realidade assim
que chegamos ao mundo. Até porque, as instituições são veículos para a
satisfação das necessidades humanas. Logo, negá-las, como diria Durkheim (2002),
é negar o fato social, e, consequentemente, a própria sociedade, pois aquelas
são mecanismos protetores desta.
Conforme
explica o Dr. Huáscar Fialho Pessali, professor da UFPR, para identificar uma
instituição é necessário observar três elementos fundamentais: “uma ação
regular; o estabelecimento ou ajuste de regras ou normas que geram repetição,
estabilidade e uma ordem previsível; e um senso geral explicando, justificando
ou legitimando as atividades e as regras”. Ao observar esses elementos, percebo
a presença de cada um deles no ajuntamento dirigido por Jesus de Nazaré.
Porquanto, o mestre galileu tinha o ensino e a proclamação como a ação regular
de seu ministério. Além disso, Ele mesmo propôs a seus discípulos que houvesse
reuniões (Mt 18.20) e que estas fossem regulares (Lc 22.19). Outrossim, Cristo,
quando instituiu o batismo e a ceia e ordenou a proclamação, estabeleceu regras
que geraram repetições, estabilidade e uma ordem previsível. Ademais, sua
ressurreição foi o fato que se tornou senso geral entre os discípulos, servindo
para explicar e legitimar as atividades e as regras.
O movimento
fundado por Jesus também pode ser enquadrado na perspectiva institucionalista
de Thorstein Veblen, o qual aponta a estabilidade e a permanência como
pressupostos da instituição (SILVA, 2010), além de elencar a homogeneidade como
uma de suas qualidades. Ora, estabilidade, permanência e homogeneidade são
aspectos que Jesus buscou implementar em seu ministério terreno. Ele encorajava
seus discípulos a perseverarem (Mc 13.13) na observância da fé por Ele
propagada, o que evidencia seu desejo de um grupo homogêneo (a mesma fé),
perpétuo (até o fim) e estável. Porque, mesmo que, diante de algumas palavras
de Cristo muitos o abandonassem (Jo 6.66), os doze sempre permaneciam (Jo
6.67,68), o que denota a estabilidade do grupo. O simples fato de alguns
elementos do ensino de Jesus se manterem em todos os segmentos cristãos, denota
a perpetuidade daquilo que o mestre instituiu, bem como uma homogeneidade
elementar.
Da mesma
forma, é possível verificar no ajuntamento cristão primevo o conceito defendido
por de Vaux. Isto porque, os discípulos passaram a experimentar uma nova forma
de vida social com base naquilo que receberam de Jesus, a quem reconheciam como
autoridade. Aliás, foi o próprio Messias quem escolheu seus líderes, chamados
apóstolos; confiou a um deles a tarefa de cuidar das finanças (Jo 12.1-6); e estabeleceu
regras de conduta para seus discípulos (Mt 5.1 - 7.29). Em adição, vale salientar
que o termo grego (ekklesia)
empregado pelo Filho de Deus para referir-se aos seus seguidores tem origem em
uma reunião institucional, caracterizada por convocações com intervalos
regulares. “Sua esfera de competência incluía decisões quanto às sugestões para
mudanças da lei, às nomeações para posições oficiais e – pelo menos no seu
apogeu – quanto a toda questão importante da política interna e externa” (COENEN;
BROWN, 2000, p. 984). A cada cidadão era reservado o direito de falar e propor
assuntos durante a reunião. A ekklesia
estava intimamente ligada à religiosidade do povo. Tanto, que suas sessões eram
abertas com orações e sacrifícios aos deuses locais. Ora, à época havia outras
palavras gregas que poderiam ter sido empregadas com referência ao corpo de
Cristo, tais como thiasos (assembleia
cúltica para adorar um deus), eranos (fraternidade
que celebrava festas, para a qual contribuía cada participante), koinon (aquilo que é comum), synodos (grupo de pessoas que seguiam no
mesmo caminho) e synagoge[2] (comunidade
cúltica).
Naturalmente,
diante dessas asserções, alguém pode objetar argumentando que Jesus falava
aramaico, não grego. Logo, possivelmente, o termo usado por Ele foi o hebraico kahal. Porém, ressalto que, na
Septuaginta, utilizou-se ekklesia para traduzir o termo kahal. Mesmo
assim, é necessário frisar que nos trechos em que kahal é traduzido como ekklesia,
“indica a assembleia do povo ou uma assembleia jurídica (e.g. Dt 9.10;23.3 e
segs. Jz 21.5, 8; Mq 2.5), o corpo político (e.g., os exilados que voltaram: Ed
10.8, 12; Ne 8.2, 17)” (Op. Cit. p. 988). Ao passo que, especialmente em
Crônicas, diz respeito à assembleia do povo para a adoração (2Cr 6.3; 30.2, 4,
13, 17). Por outro lado, o termo também fora utilizado para traduzir o hebraico
kahal quando este apontava para a
assembleia do povo de Deus reunida para atender a convocação de Iahweh. Assim, acredito
que se os evangelistas utilizaram tal termo, só o fizeram porque entenderam que
essa era a ideia que mais se aproximava do que Cristo falara.
Todavia, mesmo
após essa exposição, pode ainda pairar uma dúvida relativa à parca utilização
de ekklesia nos evangelhos, visto que o termo está praticamente ausente
dessas narrativas. Só aparece em Mt 16.18 e 18.17. Inobstante, como afirma
Augustus H. Strong, “a igreja existia em germe antes do Pentecostes. De outro
modo, aqueles que se converteram não podiam ser acrescentados a nada (At 2.47).
[...] Para todos os efeitos e propósitos, constituíam uma igreja, embora a
igreja não estivesse ainda completamente equipada para a sua obra pelo
derramamento do Espírito Santo [...]” (STRONG apud SOARES, 1987, p. 23).
Em virtude dos
fatos apresentados acima, não só estou certo de que Jesus fundou uma
instituição chamada igreja como também vejo nitidamente a fundação de
instituições dentro dessa instituição. Batismo e Ceia são exemplos claros
disso. Afinal, Ele “instituiu” a ambos. Porém, não quero afirmar com isso que
Jesus elaborou uma estrutura organizacional burocratizada, tal como a que vemos
hoje, com CNPJ, conta bancária, piso salarial, estatuto, regimento interno,
etc; mas penso que, sem dúvida, seu ajuntamento não era anárquico nem
desorganizado. De outra maneira, para que teria gasto tempo formando líderes?
Observando as
páginas do Novo Testamento, fica bem claro que o termo “igreja” não era
empregado exclusivamente como referência à “universal assembleia” (Hb 12.23),
isto é, à igreja invisível, chamada Corpo de Cristo. As reuniões regulares
restritas a espaços geográficos também eram denominadas assim. Isso é patente
nas epístolas paulinas. Ao remeter-se aos Coríntios e Tessalonicenses, por
exemplo, Paulo saúda-os como “igreja (ekklesia)
de Deus que está em Corinto” (1Co 1.2; 2Co 1.1) e “igreja dos tessalonicenses em Deus” (1Ts 1.1), conferindo,
indiscriminadamente, ao ajuntamento local de cristãos o título “igreja”. Em
outras passagens vemos o apóstolo afirmar que, em um mesmo local havia várias
“igrejas” (Rm 16.4,16; 1Co 11.16; 14.33; 16.19; 2Co 1.1; 8.1; Gl 1.2,22). Igualmente,
ao escrever à Filemon Paulo faz menção da igreja que havia em sua casa. Com
certeza ele não estava se referindo à totalidade dos salvos, mas à igreja
local. Em Rm 16.1-16, a
mesma ideia aparece, pois Paulo fala da “igreja” que estava em Cencreia (v. 1),
da “igreja” que estava na casa de Priscila e Áquila (v. 3-5), além de mencionar
“as igrejas dos gentios” (v. 4) e “as igrejas de Cristo” (v. 16). Ao escrever a
Timóteo, Paulo chama a igreja de “casa de Deus” referindo-se a ela como um
espaço geográfico onde os crentes se reúnem (1Tm 3.15). Mantendo essa linha, o
apóstolo João, seguindo orientações do próprio Cristo, destina, no livro do
apocalipse, sete cartas a sete “igrejas”. Por que Paulo e João fariam uma coisa
dessas se não pudéssemos chamar nossos ajuntamentos locais de “igreja”? Por que
as igrejas seriam identificadas com lugares se, de fato, não houvesse reuniões
regulares em um mesmo local?
Decerto, os textos supracitados respaldam o
pensamento tradicional de que há uma igreja local, delimitada geograficamente,
e uma igreja universal, constituída de todos os salvos, em todos os tempos e
lugares. A existência de uma não elimina a outra, mas, ao contrário, a primeira
é parte da última. Antes, as igrejas são parte do reino espiritual de
Deus. Não há como separá-las do mesmo.
O aspecto
institucional da igreja de Cristo fica bem nítido no cristianismo primitivo. Havia
eleição de líderes (At 1.15-26; 14.23; Tt 1.5), costumes litúrgicos consensuais
(1Co 11.1-16; 14.26-39), ortodoxia teológica (At 2.42; Gl 1.8) exposta,
inclusive, por meio de canções (Rm 11.33-36; Fp 2.6-11) e cartas doutrinárias,
convocação de Concílio (At 15.1-29), prestação de relatórios (At 11.1-18). Além
disso, o próprio Jesus, em Mt 18.17, aponta para essa dimensão física da
igreja, reconhecendo a autoridade da congregação, composta de joio e trigo,
para tratar de atritos entre irmãos, atuando como uma instância superior ao
indivíduo. É evidente que o Filho de
Deus não tinha em mente a igreja universal, seu ensino contempla a comunidade
cristã local, a qual Ele chama de igreja. Esta, para que pudesse agir segundo a
direção dada pelo mestre, fornecendo orientações salutares ao agressor,
precisaria, certamente, de uma postura uniforme em relação aos delitos. Uma
espécie de posicionamento ético-doutrinário, uma ação conjunta da ekklesia. É exatamente essa posição que
Paulo requer dos coríntios diante do escândalo produzido por um dos membros
daquela igreja (1Co 5.1-13). Semelhantemente, em Atos 6.2,5 a igreja, mais uma
vez, age conjuntamente por ocasião da escolha dos diáconos, e, no capítulo 14
do mesmo livro, a igreja reuniu-se para ouvir o relato de Paulo e Barnabé.
Portanto, “a igreja numa cidade ou numa casa
é simplesmente a manifestação local da igreja universal e dela deriva a sua
dignidade” (STRONG, 2003, p. 643). Corroborando essa asserção, Andrews declara:
“a ‘igreja’ é a fonte de todas as ‘igrejas’ locais. ҆ekklesia em At 9.31 = a igreja representada naquelas províncias.
Seu sentido é universal e local, como em 1Co 10.33. A igreja local é um
microcosmo, uma localização especializada do grupo universal (STRONG, 2003, p.
643). Destarte, a estrutura organizacional construída em torno das
pessoas e pelas pessoas, simboliza e expressa a união interior do ser humano
com Cristo e de um indivíduo com o outro.
Não obstante,
a igreja de Cristo, por ser composta de seres humanos, é marcada pela
imperfeição desde a sua fundação. Entre os discípulos de Jesus havia
discriminação (Lc 9.51-56), competição (Mc 10.35-45), furto (Jo 12.1-6),
traição (Mt 26.14-16), incredulidade (Jo 20.24-29), entre outros problemas. O
que me alegra, entretanto, é que, diante de todas essas imperfeições, Jesus
mostrou um amor inextinguível, mesmo àqueles que o abandonaram, assim como
àquele que o traiu. Por isso, embora faça minhas críticas aos movimentos
contemporâneos, procuro amar mais os imperfeitos. Por mais que discorde,
teologicamente, dos pentecostais e neopentecostais, considero-os meus irmãos em Cristo. Por mais que
veja imperfeições nas igrejas históricas continuo amando meus pares e
transmitindo a mensagem de Cristo através dessa "instituição"
imperfeita. Até porque, onde há seres humanos, onde há carne, sempre haverá
imperfeição. Só na eternidade as lágrimas serão enxugadas de nossos olhos. Até
lá, será imperfeição sobre imperfeição. Nós e nossas igrejas continuaremos
defeituosos. Mesmo assim, “[...] Cristo morreu por nós, sendo nós ainda
pecadores”.
A igreja,
assim como a família, é instituição divina, seja encarada sob o ângulo físico
ou espiritual. Não se trata apenas de uma mera fundação, como uma ONG. É mais
que isso. Não é à toa que, na
Escritura, a designação “igreja de Deus” é atribuída também às comunidades
cristãs locais (1Co 1.2). No entanto, como afirma Strong (2003, p. 642), “a
igreja, diferente da família e do Estado, é uma sociedade voluntária”. Não há
nela o caráter coercitivo e hereditário presente nas demais instituições, uma
vez que o ingresso no Corpo de Cristo antecede a adesão à igreja local. Por
conseguinte, a religião espiritual não pode ser inimiga da
institucional, pois aquela é essência desta.
Sei que as
atitudes de alguns líderes, às vezes, nos magoam. Essas mágoas levam alguns a
criticarem toda a estrutura. Eu procuro não fazer isso. Até porque, foi através
dessa estrutura considerada "hipócrita", "imperfeita",
"farisaica", que eu conheci a Cristo. Ele usou aqueles irmãos
defeituosos para me apresentar o evangelho, tal como fez com os apóstolos.
Logo, não posso deixar de louvar a Deus por aquelas vidas. Além disso, é essa
mesma instituição que continua enviando missionários pelo mundo a fim de
cumprir o ide de Jesus. Procuro não enxergar somente a partir das lentes de
minha confissão doutrinária. Vejo que as diversas denominações têm contribuído
de alguma maneira para propagação do Evangelho. Isto, na verdade, é o que
considero mais importante: anunciar a Palavra. "É verdade que alguns
pregam a Cristo por inveja e rivalidade, mas outros o fazem de boa vontade. Estes
o fazem por amor, sabendo que aqui me encontro para a defesa do evangelho.
Aqueles pregam a Cristo por ambição egoísta, sem sinceridade, pensando que me
podem causar sofrimento enquanto estou preso. Mas, que importa? O importante é
que de qualquer forma, seja por motivos falsos ou verdadeiros,
Cristo está sendo pregado, e por isso me alegro. De fato, continuarei a
alegrar-me [...]" (Fp 1.15-18).
Por outro
lado, penso que essa animosidade relativa às estruturas organizacionais é um
dos problemas que caracterizam a pós-modernidade. Corroborando essa asserção,
Bauman (2004, p. 65) assevera que “nos compromissos duradouros, a líquida razão
moderna enxerga a opressão; no engajamento permanente percebe a dependência
incapacitante. Essa razão nega direitos aos vínculos e liames, espaciais ou
temporais”. Alavancados por essa tendência
pós-moderna, muitos rotulam como opressora ou vilã toda estrutura organizada e
duradoura, enxergando o pertencimento a uma instituição como alienação ou
submissão a um regime manipulador. Nesse contexto, a instituição é vista como
adúltera, pois teria traído o Cristianismo original. Pensando assim, seus
adeptos usam uma linguagem pejorativa para referir-se à estrutura que rejeitam,
indo de encontro ao ideal propagado por Jesus.
Há quem diga que
as críticas são dirigidas exclusivamente aos erros da instituição. Porém, suas
diatribes levam qualquer um a pensar que estão confundindo os erros com a
estrutura. Além disso, o tempo que poderia ser gasto com a evangelização acaba
sendo empregado na elaboração de comentários mordazes, fornecendo, inclusive,
munição para os inimigos da cruz de Cristo. Em adição, vale ressaltar que, ao
invés de contribuir para a agregação dos “sem-igreja”, dão a eles subsídios
para permanecerem distantes do aprisco. Se a instituição tem uma parcela de
culpa na evasão eclesiástica, a outra, sem dúvida, é responsabilidade desse
discurso anti-institucionalista.
Criminalizar
toda e qualquer estrutura organizacional é um erro que Jesus nunca cometeu. O Mestre
nunca criticou a estrutura física, nem a teologia farisaica, mas a hipocrisia
daqueles homens (Mt 23.3). Ele não condenou nem os segmentos que brotaram como
produto de seus ensinos. Quando apareceu um homem que expulsava demônios em seu
nome (Mc 9.38-40), Jesus não o repreendeu. Ora, por que aquele homem não andava
com Jesus? Talvez divergisse de seus discípulos, mas o fato é que ele
acreditava em Jesus, pois expulsava em seu nome. No entanto, ele fazia parte de
outro segmento, andava sozinho, pensava diferente. Pensar diferente não é
pecado. O que precisamos entender é que nossa lealdade, em primeiro lugar, é a
Cristo. Se não estamos contra Cristo, o que inclui seus ensinos, estamos a seu
favor. Partindo dessa ótica, não importa se somos presbiterianos,
congregacionais, batistas ou assembleianos. O importante é se somos de Cristo. E
se somos dEle, não há como vivermos uma religiosidade autônoma, divorciada do
outro.
Acredito que
essa perspectiva que foca os erros eclesiásticos, decerto alicerça-se em
decepções e mágoas geradas no interior da instituição. Talvez com um líder, com
a teologia, ou com o sistema de governo. Todavia, o grande problema, é que
muitos não compreendem que as igrejas não gerenciam suas ações do mesmo jeito.
Algumas adotam, por exemplo, o governo monárquico, onde há um líder supremo do
qual todas as ordens são emanadas (Católica, IURD); outras optam pelo
episcopal, no qual o bispo exerce uma autoridade normativa gerenciando diversas
igrejas, podendo, inclusive, remover o pastor de uma congregação sem consultar
o Sínodo (Luterana, Anglicana) ou Concílio (Metodista); existe também o sistema
presbiteriano, também chamado de oligárquico, um grupo pequeno formado composto
de um pastor e alguns presbíteros representa a congregação na gerência dos
interesses da comunidade; outro tipo, praticado por congregacionais e batistas,
é o sistema conhecido como congregacional, onde cabe à congregação o direito de
gerir seus negócios democraticamente. A igreja, reunida em assembleia, toma
suas decisões mediante o voto.
Ademais, vale
salientar que não existe sistema perfeito. Todos eles possuem falhas. Mesmo
assim, entendo que, alguns, favorecem mais erros do que os outros, pois dão
margem à opressão que tanto magoa as pessoas. Por isso, muitos acabam
generalizando, atribuindo erros que caracterizam o tipo de governo de sua
denominação a todos as outras, porque acham que todas as igrejas procedem da
mesma forma.
Tudo isso é
perfeitamente compreensível, mas não justifica a redução da igreja local a uma
mera instituição religiosa evangélica. A dissociação proposta por alguns,
distinguindo instituição e comunidade cristã me parece o mesmo que separar o
Hulk do Bruce Banner. É impossível! Eles são a mesma pessoa. Ainda que nos
gibis isso já tenha acontecido, é claramente algo irrealizável. O Hulk é o
Bruce metamorfoseado, não outro ser. Da mesma forma, a comunidade cristã e a
instituição são a mesma entidade. Afinal, aquela só existe por causa desta.
Onde quer que a comunidade cristã se reunir, haverá institucionalização. Isto
porque, como cristãos, sempre desejaremos fazer o bem às pessoas, divulgar
nossa fé e nos reunirmos para cultuarmos.
Vamos supor
então que eu e você decidimos viver um cristianismo afastado do ambiente
institucional. A primeira coisa que faríamos, com certeza, seria encontrar um
lugar para nos reunirmos, fosse embaixo de uma árvore, à beira de um rio, ou nos
lares. Uma vez que, seguindo o exemplo
de At 2, procuraríamos estarmos juntos com a maior frequência possível. Como
bons seguidores de Cristo, seríamos naturalmente levados a ajudar os necessitados. Nesse
contexto, surgiria, inevitavelmente, a necessidade de dinheiro, visto que, nessa
sociedade capitalista, como ajudar o próximo, tal como fez o bom samaritano,
sem dinheiro? Como pagar a hospedagem? Como cuidar dos ferimentos sem a
medicação adequada? Como alimentar os famintos sem comida? É... tudo isso
requer dinheiro. Havendo uma arrecadação financeira, precisaríamos de alguém para
gerir esses bens. Uma espécie de tesoureiro, tal como Judas. Outrossim, embora
seja algo novo na história universal, diante das exigências sociais
precisaríamos de um CNPJ para agirmos comunitariamente no emprego desse
numerário. Cabe ressaltar, no entanto, que toda essa estrutura não sobreviverá
sem liderança. E um líder só não será suficiente à medida que o grupo aumentar.
Precisaremos também estabelecer um dia e um horário para as reuniões, seja para
culto ou para traçar as metas. Mais à frente, com o aumento do grupo, será
necessário um lugar para nos reunirmos e para recebermos as pessoas. Até
porque, sabemos que podem ocorrer variações climáticas que inviabilizarão
reuniões externas. Mesmo assim, alguém pode objetar: por que não nos reunimos
nas casas como faziam os discípulos originalmente? Ora, se estamos pregando,
ajudando o próximo, fazendo a obra de Deus, naturalmente, o grupo vai aumentar.
Como abrigar, confortavelmente, todas as pessoas em uma residência? Daí surge a
necessidade de edificar um prédio ou alugar um espaço maior. Pronto, já temos
uma sede. Espera aí! Temos sede, arrecadação, reuniões regulares, liderança,
divulgamos o evangelho, quem somos nós? Três opções: a) um time de futebol? b)
Um partido político? c) Uma instituição conhecida como igreja? É óbvio que “c”
é a reposta certa!
Tendo em vista
que as reuniões seriam realizadas em um local separado exclusivamente para esse
fim, para viabilizar a frequência dos idosos, deficientes e demais visitantes,
seria imprescindível realizar algumas melhorias, a saber: a construção de
acessos para cadeirantes, aquisição de assentos acolchoados, para que os idosos
ou os que sofrem de dores na coluna possam se sentir confortáveis, construção
de banheiros adequados aos deficientes físicos, rampas de acesso, salas de aula
para ensino do evangelho com ênfases distintas, dependendo da faixa etária,
instalação de bebedouros para facilitar a vida de quem sofre de doenças renais
ou diabetes, aparelhagem de som, mesmo que seja simples, para que todos possam
ouvir a o ensino da Palavra. Caramba! Igualzinho às nossas igrejas!
Toda essa estrutura
contribui para o bom andamento da obra de Deus. Não posso dizer que todo esse
aparato nada tem a ver com a obra do Senhor. O que precisamos entender é que,
mesmo que o templo caia, que sejamos despejados daquele local, a igreja
continua, porque ela não é de pedra, mas de carne e osso. Entretanto, se
podemos dispor dessa estrutura, por que não usá-la em favor do Reino de Deus? Por
que ficar no meio da rua, perto de rios, nos lares ou nas catacumbas, se temos
liberdade para nos reunirmos em um ambiente separado para esse fim? A igreja
primitiva se reunia nos lares, perto de rios, porque havia perseguição, mas, em
muitos textos, vemos Jesus e seus discípulos indo às sinagogas e ao templo.
Embora até
aqui esteja saindo em defesa da igreja, enquanto realidade histórica e
institucional, não estou, em momento algum, prescindindo do caráter universal e
invisível da igreja de Cristo. Nem haveria como fazê-lo, tendo em vista que o
Novo Testamento testemunha abundantemente a seu respeito (Mt 16.18; Ef 1.22,23;
3.10; 5.24,25; Cl 1.18; Hb 12.23), identificando-a, inclusive, com o reino
espiritual de Deus. Porém, quero deixar claro que a igreja local é parte
integrante do Corpo de Cristo. Pois, por mais que saiba que o Rol de membros
não é o Livro da Vida, quando olho para aqueles que frequentam o templo não me
considero competente para identificar quem pertence e quem não pertence ao
Corpo de Cristo. Essa identificação, na verdade, é prerrogativa divina (Mt
13.35-41). O fato de não convertidos fazerem parte do ajuntamento cristão, não
o faz deixar de ser igreja. Paulo pensava assim. Porquanto, ao dirigir-se aos
coríntios, grupo caracterizado por uma série de pecados, chamou-os de igreja
(1Co 1.1,2). Acho muito angustiante ficar sempre desconfiado, pensando que a
pessoa que está do meu lado não faz parte do Corpo de Cristo. Quem somos nós
para fazermos esse tipo de julgamento? Jesus nunca nos ensinou a fazermos isso.
Ao contrário, o mestre nos ensinou a amarmos uns aos outros, aceitando-nos
mutuamente. “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes
uns aos outros” (Jo 13.35).
Não estamos
autorizados a fazermos esse tipo de segregação, visto que, se o fizermos,
estaremos negando a vocação cristã da inclusão. Até porque, por mais que
saibamos que em nossas igrejas há pessoas que podem furtar bolsas, é nossa
missão integrá-las. Elas precisam estar conosco e nós precisamos estar com
elas, pois é no convívio com o diferente, com o excêntrico, com o agressivo,
que nós temos a oportunidade de pregar e viver o evangelho, é nesse contexto
que temos a oportunidade de perdoar, de amar aquele que nos faz mal, de sermos
imitadores de Cristo. Destarte, vivamos plenamente o evangelho de Jesus Cristo
na instituição que Ele fundou, fazendo a diferença no mundo que Ele criou
através do amor.
Pr. Cremilson Meirelles
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento. Trad. Gordon Chown. 2. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2000. 1 v.
DURKHEIM,
Émile. As regras do método sociológico.
São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.
PESSALI, Huáscar Fialho. Uma conversa sobre instituições: o que são, como surgem e importância
têm. Disponível em: http://www.academia.edu/4350909/Uma_conversa_sobre_instituicoes_o_que_sao_como_surgem_e_mudam_que_importancia_tem.
Acesso em: 04 nov. 2013.
SOARES,
Ebenézer. Manual da Igreja e do obreiro.
5. Ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1987.
SILVA, Vagner Luís da. Fundamentos do
institucionalismo na teoria social de Thorstein Veblen. Política e
Sociedade. Nº 17, volume 9, outubro de 2010. p. 289-323
STRONG, Augustus Hopkins. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003. 2 v.
VAUX,
Roland de. Instituições de Israel no
Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004.
[1] Informação
disponível em: http://origemdapalavra.com.br/pergunta/etmologia-da-palavra-instituicao/
Acesso em 04 nov. 2013.
IGREJA X INSTITUIÇÃO
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
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Parabéns pelo blog, pastor!
ResponderExcluirAbraço!
Elildes Junio
Obrigado! Continue acessando!
ExcluirExcelente artigo. O desigrejamento precisa, de fato, ser confrontado. Parabéns!
ResponderExcluirExcelente texto. Quer oportunidade maior de amar e praticar os ensinamentos de Cristo que conviver, em união, com o diferente? Atualmente, temos disseminado que existe um tipo de igreja pra cada tipo de membro."É só se empenhar um pouco e encontrar a sua!". Verdadeiramente, um pensamento egoísta... Eu, eu e mais eu... E Satanás continua agindo com seu plano faccioso de discórdia, colocando o "Eu" acima de Deus e seus institutos. Estava precisando dessa palavra. Obrigado, pastor! Que Deus abençoe.
ResponderExcluirAmém! Fico feliz em poder contribuir para reflexão e edificação!
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