2 – Convém,
pois, que o bispo seja irrepreensível, isto é, visitador.
Conquanto
a frase acima seja uma deturpação de 1Tm 3.2, muitos dos membros de igrejas
históricas a encaram como uma verdade absoluta. Como resultado disso, alguns, mais
carentes afetivamente, chegam a cobrar visitas de seus pastores. De modo que o
não cumprimento da “exigência” é “punido” com a ausência nos cultos, difamação
e, algumas vezes, com a cessação das contribuições financeiras. Isso porque, na
mente de muitos, o dízimo é uma espécie de mensalidade que deve ter como
“retorno” uma prestação de serviços que atenda a seus caprichos; dentre os
quais, evidentemente, está a visita constante do pastor.
O
pior nisso tudo é que essa ideia não brota na cabeça dos membros por acaso. Há
líderes que divulgam esse pensamento. Inclusive, uma frase muito popular
associada a essa compreensão, geralmente citada por pastores, e que se tornou
praticamente um axioma, é: “pastor tem que ter cheiro de ovelha”. Tomando por
base esse chavão, alguns pregadores desenvolveram a teologia da visita; segundo
a qual o “cheiro de ovelha” só pode ser obtido mediante uma rotina diária de
visitação. De maneira que seu expediente seja cumprido tomando cafezinho na
casa dos membros da igreja. Afinal de contas, conforme concluem alguns, “esse é
o trabalho do pastor”. Por conta disso, a frequência das visitas domiciliares
se tornou um dos principais parâmetros para medir a relevância de um pastor.
Mas será que é isso que a Bíblia ensina?
Em
primeiro lugar, é importante destacar que, em momento algum, as Escrituras
apontam a visitação como uma atividade exclusiva dos pastores. Na verdade,
Jesus atribuiu essa tarefa a todas as Suas ovelhas. Isso fica claro em Mt
25.33-36, quando o Filho de Deus, discorrendo acerca do juízo final, explica
que, na Sua vinda, reunirá Suas ovelhas à Sua direita e dirá: “Vinde, benditos
de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação
do mundo; porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de
beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci,
e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me” (Mt 25.33-36).
Perceba que esse parecer inclui todos os cristãos, uma vez que todos somos
ovelhas, e não somente os oficiais da igreja. Pois, isso é o que se espera de
uma nova criatura, e não a transferência de responsabilidade que comumente
vemos nas igrejas.
É
bem verdade, no entanto, que, por ser ovelha de Jesus Cristo, o pastor se
engajará na visitação de enfermos e encarcerados. Não obstante, as demais
ovelhas não estão, por causa disso, dispensadas de fazê-lo, e, portanto, não
devem negligenciar e nem transferir sua responsabilidade. Do contrário, como
ouviriam a declaração de Jesus relatada em Mt 25.36? Por certo, os negligentes
estariam inseridos no grupo da esquerda (Mt 25.41-46).
Não
quero, com isso, dizer que a salvação do indivíduo depende das obras que
realiza. De maneira nenhuma! Na realidade, o texto mencionado aponta no sentido
oposto. Senão vejamos, as ovelhas, ao ouvirem as palavras de Jesus, se
surpreendem. Porquanto, não fizeram o que fizeram intentando “conquistar” a
salvação. Com efeito, suas ações foram a consequência natural de sua conversão.
Tanto, que eles nem se lembravam de terem feito! Mas, o fato inegável é que
todos eles fizeram, e não só os pastores.
Impor
ao pastor a responsabilidade exclusiva da visitação é sintoma de enfermidade
espiritual. Haja vista que, quem procede assim, além de negligenciar os irmãos
que padecem, despreza o ensino bíblico. Até porque, a Bíblia contém diretrizes
que só podem ser observadas através do relacionamento entre irmãos. Se só o
pastor fizer as visitas, como será cumprida, por exemplo, a ordem de exortar
uns aos outros (Hb 3.13)? Semelhantemente, como os irmãos admoestarão uns aos
outros (Cl 3.16)?
Ademais,
embora as Escrituras elenquem várias qualificações necessárias àquele que
deseja o episcopado (1Tm 3.1-7; Tt 1.5-9), fazer visitas, definitivamente, não
é uma delas. Por que, então, cobrar isso do líder como se fosse a essência do
pastorado? Creio que a resposta está em Oséias 4.6: porque falta conhecimento.
Afinal, como vemos em Atos 6.1-6, se os líderes se dedicarem mais às tarefas
que não são essenciais ao ministério, não terão tempo para realizar aquilo que,
de fato, lhes compete: “oração e o ministério da palavra” (At 6.4).
O
grande problema é que, na atualidade, a pregação bíblica se tornou, para
muitos, algo de somenos importância. Isto é, o ministério da palavra já não é
mais tão atraente. As pessoas se interessam muito mais pelas canções,
coreografias, encenações teatrais e pelos gracejos feitos por alguns
pregadores. Para elas, a função do pastor é promover programas que agradem o
auditório e fazer visitas para suprir sua carência afetiva. Uma postura
totalmente passiva! A maioria não tem a intenção e nem o desejo de servir, mas
de serem servidos! Provavelmente, concluíram que é mais fácil “pagar” alguém
para fazer o que deveriam fazer, ao invés de efetivamente fazê-lo!
É
claro, entretanto, que minha crítica não visa justificar pastores que não fazem
visita alguma. Aliás, como já mencionei, assim como todos os crentes, os
pastores devem visitar. O que quero salientar é que a igreja moderna corrompeu
o propósito bíblico da visitação. Porque, de acordo com Jesus, as visitas têm
por objetivo confortar os que sofrem, e não bajular pessoas. Ou seja, o pastor
não tem a obrigação de visitar alguém somente para bater papo, ou para tomar um
cafezinho, simplesmente, porque a pessoa quer. A visitação que todos os
crentes, inclusive o pastor, devem fazer é àqueles que estiverem sofrendo, seja
um sofrimento físico ou emocional.
Obviamente,
considerando que a essência do pastorado é o ensino da Escritura Sagrada, e que
esta “é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir
em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído
para toda boa obra” (2Tm 3.16,17), haverá momentos em que o pastor, visando o
aconselhamento, visitará as ovelhas. Porém, isso só ocorrerá diante de alguma
adversidade. Ou seja, dentro da normalidade não há necessidade de visitação.
Mesmo porque, geralmente quem cobra visitas triviais (apenas para tomar café)
não é assíduo nas reuniões da igreja. Pois, se fosse, sua carência afetiva
seria suprida pela relação com os outros irmãos, e não precisaria buscar isso
no pastor.
Todavia, alguns com o fito de justificar a imposição da visitação como
responsabilidade exclusiva do pastor, utilizam Ez 34 como fundamento. Porém,
conquanto o texto fale de pastores e ovelhas, o contexto está bem distante do
uso neotestamentário desses termos. Antes, Ez 34 constitui uma crítica à
ganância e o egoísmo dos reis do passado, que haviam explorado o povo, como se
fossem sua propriedade, quando, na verdade, pertenciam ao Senhor. A fim de
reforçar essa ideia utiliza-se como metáfora a figura do pastor, para designar
os governantes, e das ovelhas, para referir-se ao povo. Ora, os reis não
visitavam os súditos do reino; e, efetivamente, o texto não os condena por
isso. A condenação vem em razão da negligência para com Sua função e,
sobretudo, para com aquele que os estabeleceu no reinado. Como resultado, eles
seriam depostos de sua posição e o próprio Deus resgataria Seu povo do
cativeiro e os apascentaria.
Inobstante, algo curioso acerca de Ez 34 é que, posto que seja usado com
frequência para criticar os pastores atuais, afirma claramente que Deus
destruiria as ovelhas gordas e as fortes, apascentando-as com juízo. Já imaginou
se aplicássemos esse texto ao pastorado neotestamentário? Teríamos de entender
que o pastor deve destruir algumas ovelhas! É claro que o texto se propõe a
tratar de uma situação histórica específica. Isso não significa, no entanto,
que seu conteúdo não expresse verdades eternas. Mas, definitivamente, não se
refere aos oficiais da igreja.
Outro texto frequentemente empregado para cobrar visitas dos pastores é a
parábola da ovelha perdida (Lc 15.4-7). Contudo, essa parábola não trata da
visitação pastoral a crentes afastados da igreja ou a membros bicudos. A
história que Jesus contou tinha como objetivo mostrar aos seus acusadores a
razão de Ele estar com publicanos e pecadores (Lc 15.1,2): a busca pelos
perdidos. Por isso, o desfecho é o arrependimento de pecadores e a alegria no
céu (Lc 15.7). Isto é, a parábola fala de salvação, e não de visitação!
Visto isso, é necessário rever os conceitos que, como igreja, herdamos de
nossos predecessores. Porquanto, só podemos manter práticas que possam ser
justificadas biblicamente; e as visitas triviais, definitivamente, não estão
entre elas. Destarte, as ovelhas precisam observar integralmente as declarações
que fazem a respeito da Bíblia, tendo-a como única regra de fé e prática. Não
importa o que a tradição e a experiência digam, a Palavra de Deus sempre deve
nortear nossa conduta.
Pr. Cremilson Meirelles
IDEIAS FALSAS A RESPEITO DO MINISTÉRIO PASTORAL – PARTE II
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
on
01:06
Rating:
Nenhum comentário: