Pastoral redigida para o Boletim Dominical da Primeira Igreja Batista em Manoel Corrêa
Com
o objetivo de cristianizar os palavrões, os cristãos de boca-suja se empenham
em denegrir a imagem de quem não os utiliza, argumentando que essa postura não
é cristã, mas uma herança da moral burguesa da era vitoriana. Isto é, conforme
esse raciocínio, não falar palavrão seria um hábito cultural instituído no século
XIX, quando a rainha Vitória comandou o império britânico (1837-1901). Isso
porque, o período em questão foi marcado pela rigidez de princípios morais. A
bem da verdade, não se pode negar que “a sociedade vitoriana exerceu influência
sobre boa parte do mundo ocidental, nesse período, desde o estilo de vida até a
arte e a indústria” (SANTANA e SENKO, 2016, p. 190). Contudo, entender que a
distinção entre palavras chulas e uma linguagem polida não tem relação direta
com a Bíblia, mas sim com a moralidade vitoriana, é desprezar o ensino das
Sagradas Escrituras. Porquanto, como vimos até aqui, é a Palavra de Deus que
nos orienta quanto à pureza do vocabulário, e não o pensamento do século XIX.
Não
satisfeitos, entretanto, os desbocados buscam justificar sua conduta citando,
como exemplo, religiosos medievais que, embora tenham se destacado na história
da igreja, não refreavam seu linguajar. Porém, conforme ressaltamos, não é o
procedimento de padres, pastores, teólogos ou filósofos que deve nortear o comportamento
do servo de Deus, mas sim a Bíblia Sagrada. Pois, ela é “lâmpada para os nossos
pés e luz para o nosso caminho” (Salmo 119.105). Além do mais, bem antes da
Idade Média e, obviamente, antes do Século XIX, o texto bíblico já estava
redigido. Logo, se um cristão, observando o ensino das Escrituras, exclui os
palavrões de seu vocabulário, não se pode afirmar que ele o fez por causa da
“moral vitoriana”. Isso não faz sentido!
Evidentemente,
o palavrão é uma linguagem grosseira e inapropriada ao discurso de um cristão.
Todavia, ao invés de admitirem que xingam porque gostam, os defensores dos
palavrões buscam a todo custo encontrar textos bíblicos que favoreçam seu
posicionamento; ainda que para isso seja necessário desconsiderar o contexto.
Um exemplo dessa manipulação textual é a narrativa em que João Batista
confronta os fariseus e os saduceus, quando estes buscavam ser batizados por
ele; pois, o precursor do messias, percebendo a hipocrisia deles, os chamou de
“raça de víboras” (Mateus 3.7). Diante desse episódio, os que querem
descriminalizar os xingamentos, argumentam que a expressão usada por João era
um palavrão muito comum no primeiro século. Por essa razão, concluem: “se
aquele a quem Deus enviou como arauto de Seu Filho xingava, nós também podemos
xingar.”
Apesar
disso, não há nenhuma indicação, bíblica ou histórica, de que “raça de víboras”
fosse um xingamento daquela época. Na verdade, como explica William Hendricksen
(2001, p. 287), é muito mais provável que João, por estar familiarizado com as
cobras do deserto, conscientemente, tenha apontado a real natureza da atitude
daqueles homens comparando-os a serpentes; haja vista, que embora fossem bem
pequenas e frequentemente confundidas com galhos secos, as cobras daquela
região eram muito enganosas; tal como os religiosos daquele tempo. Isto é, ele
não estava xingando os fariseus, mas denunciando sua hipocrisia.
No
entanto, ainda que admitíssemos que a expressão fosse um baita palavrão, o
texto em questão não é normativo; ou seja, sua função é apenas relatar o que
aconteceu, e não estabelecer um padrão comportamental. Sendo assim, não é só
porque João fez que temos de fazer também. Se assim fosse, tal como fez o
Batista, deveríamos batizar pessoas no rio Jordão, morar no deserto e comer
gafanhotos e mel silvestre.
Continua...
Pr. Cremilson Meirelles
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
HENDRICKSEN,
William. Comentário do Novo Testamento: Mateus vol. 2. São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 2001.
SANTANA, Luciana
Wolff Apoloni; SENKO, Elaine Cristina. Perspectivas da Era Vitoriana:
sociedade, vestuário, literatura e arte entre os séculos XIX e XX. Revista
Diálogos Mediterrânicos, Curitiba, v. 1, n. 10, p. 189-215, jun. 2016.
Semestral.
Disponível em:
<http://www.dialogosmediterranicos.com.br/index.php/RevistaDM/article/view/209/216>.
Acesso em 31 ago. 2018.
O CRENTE PODE FALAR PALAVRÃO? – PARTE VI
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
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