Pastoral redigida para o Boletim Dominical da Primeira Igreja Batista em Manoel Corrêa
Afirmar
que algumas das expressões utilizadas por personagens bíblicos eram palavrões é
um grande equívoco. Porquanto, além de constituir uma leitura anacrônica das
Escrituras, para chegar a tal conclusão, é necessário pressupor que os judeus
tinham por costume usar palavras de baixo calão. O grande problema dessa
conclusão é a inexistência desse tipo de linguagem no idioma hebraico. Isso
porque, o hebraico é considerado, pelos judeus, uma língua divina. Essa compreensão
se baseia na tradição judaica, e não nas Escrituras. No livro de Yetsirá, um
livro antigo de Cabala (misticismo judaico), por exemplo, destaca-se: “vinte e
duas letras: Deus as gravou, esculpiu, permutou, pesou e transformou, e com
elas descreveu tudo o que formou e tudo o que seria formado” (KAPLAN, 2002,
p.126). Por essa razão, não há palavrões em hebraico; de modo que, quando um
israelense deseja xingar, o faz em Árabe (LEVINE, 2016).
Levando
em conta que o hebraico bíblico serviu de base para a formação do hebraico
moderno, concluímos que se os palavrões não existem hoje, provavelmente, não
existiam naquela época. Até porque, a religião que os mantêm excluídos do
vocabulário hoje, já existia nos tempos de Jesus. Além do mais, se os judeus
xingassem naquele tempo, por que não xingariam hoje também? Pois, embora haja
israelenses que profiram palavrões, nenhum judeu comprometido com sua prática
religiosa o faz. Afinal, os rabinos ensinam que o palavreado do servo de Deus
deve ser o mais limpo e agradável possível. O Rabino Shamai Ende, por exemplo,
explica que, de acordo com Deuteronômio 6.4-9, os pais devem ensinar seus
filhos a falar as palavras da Torá, isto é, do Pentateuco, e não palavras
obscenas; de modo que, tal como a linguagem bíblica, o discurso do judeu seja
polido, e não chulo.
Todavia, ainda
que falar palavrão seja claramente uma grosseria, dependendo da região em que o
xingador se encontra, sua fala pode não ser tão inapropriada. Isso porque, há palavras que mudam de contexto
de acordo com o tempo e lugar. Existem, por exemplo, palavras que no nordeste
não são palavrões, mas no sudeste são. Com base nessas variações linguísticas, alguns
tentam justificar a boca-suja, argumentando que, já que os palavrões podem ser
ofensivos em uma parte do país e noutra não, nenhum xingamento é universal; ou
seja, não há palavras torpes por natureza. São as pessoas que classificam o que
é palavrão, e não a Bíblia.
Embora essa argumentação faça
sentido, há algumas fragilidades. Haja vista que, conquanto, as Escrituras não
enumerem as palavras de baixo calão, como já falamos, elas apontam qual deve
ser o conteúdo do vocabulário cristão. Senão vejamos: “a vossa palavra seja
sempre agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada
um” (Colossenses 4.6). Portanto, se uma palavra ou expressão não se enquadra
nesse modelo (agradável, temperada com sal) deve ser banida do discurso. Isso
se aplica, inclusive, às variações linguísticas. Pois, se para quem a ouve a
conotação é obscena, quem fala deve estar preocupado. Afinal de contas, o
propósito da fala cristã é transmitir graça aos ouvintes (Efésios 4.29), e não
obscenidades. Paulo deixa isso bem claro em Colossenses 3.8, quando manda aos
cristãos que se despojem, ou seja, que abandonem a ira, a cólera, a malícia, a
maledicência, e as palavras torpes de sua boca. O termo traduzido como “palavras torpes” é o grego aischrología, que dá a ideia de discurso
ou linguagem obscena. Essa palavra deriva de uma raiz (aisch) que se refere originalmente àquilo que é feio e vergonhoso (COENEN e BROWN,
2000). Esse é o sentido, por exemplo, em Apocalipse 3.18, onde há claramente
uma conotação sexual no uso do termo “vergonha”. Sendo assim, empregar palavras
que tragam consigo esse sentido, seja na sua região ou em outra, é, na verdade,
contrariar o ensino bíblico. Isto posto, se você sabe que algo é considerado
palavrão pelo auditório ao qual você se dirige, elimine essa palavra de seu
vocabulário.
Pr. Cremilson Meirelles
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
COENEN,
Lothar; BROWN, Colin. Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento. Trad. Gordon Chown. 2. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2000. 1 v.
KAPLAN,
Arieh. Sefer Yetsirá – O Livro da Criação: Teoria e Pratica. São Paulo:
Sêfer, 2002.
LEVINE,
Bernard. Você Não Deveria Saber Os Segredos dos Judeus. Toronto: Kobo Editions,
2016.
O CRENTE PODE FALAR PALAVRÃO? – ÚLTIMA PARTE
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
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