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A REFORMA PROTESTANTE E A SUFICIÊNCIA DE CRISTO

No fim do século IV, o imperador romano Teodósio declarou o Cristianismo a religião oficial do império. Conquanto essa medida tenha favorecido o exercício público da fé, ela viabilizou também a entrada de elementos estranhos à doutrina dos apóstolos. Por conta disso, pouco a pouco a igreja foi se afastando das Escrituras.

    Esse afastamento gerou insatisfação e protesto. De modo que, a partir do século XIV, homens que ansiavam pelo retorno às práticas e convicções neotestamentárias começaram a manifestar publicamente sua discordância. Como consequência, alguns deles foram assassinados pela Igreja Católica. Dentre estes se destacam John Huss (1369-1415) e Jerônimo Savonarola (1452-1498), os quais, ao lado de John Wycliffe (1328-1384), são considerados precursores da Reforma.

    Apesar dos assassinatos e das tentativas de calar os discordantes, no século XVI, um monge agostiniano que ocupava a cátedra de teologia na Universidade de Wittenberg, após ser confrontado pelo ensino bíblico de que “o justo viverá da fé” (Rm 1.17), passou a expor os erros do catolicismo de seu tempo, cuja falha mais gritante era a comercialização do perdão de pecados. O ponto mais marcante de sua trajetória foi o momento em que ele afixou na porta da Catedral do Palácio de Wittenberg um texto que continha 95 teses referentes ao distanciamento entre a Igreja e as Escrituras. Isso ocorreu em 31 de outubro de 1517.

    Daí em diante, um movimento de retorno ao ensino bíblico se espalhou por todo o mundo, dando origem às igrejas atualmente identificadas como protestantes. Os adeptos desse movimento ficaram conhecidos posteriormente como reformadores. Estes, após a morte dos pioneiros, sistematizaram o pensamento que os caracterizava, resumindo-o em cinco proposições teológicas representadas por cinco frases em latim: Sola Scriptura (Somente a Escritura), Solus Christus (Somente Cristo), Sola Gratia (Somente a Graça), Sola Fide (Somente a Fé) e Soli Deo Gloria (Glória somente a Deus).

    A partir dos “cinco solas”, pode-se perceber que a tensão entre o catolicismo romano e os reformadores, basicamente, girava em torno da doutrina da salvação. Contudo, ela se concentrava num ponto específico dessa doutrina: a justificação pela fé. Isso porque, embora os católicos afirmassem que a justificação era pela fé, eles não diziam que era somente pela fé em Cristo. Afinal, para a Igreja Romana havia outros mediadores e outras formas de alcançar a absolvição.

    Diante disso, os reformadores se engajaram principalmente na exposição da doutrina bíblica da suficiência de Cristo para a salvação. Porquanto, o catolicismo havia tornado a obra redentora de Jesus ineficaz, fazendo os fiéis confiarem em suas próprias obras e numa redenção mediada pela Igreja.

    Essa prioridade relativa à suficiência de Cristo pode ser percebida nos “cinco solas”. Pois cada sentença converge para a obra do Salvador. A Escritura, do início ao fim, aponta para Cristo; a graça de Deus é plenamente manifestada na encarnação, morte e ressurreição de seu Filho; a fé em Jesus é o meio divinamente designado para a justificação; e somente através da obra de Cristo é que alguém pode nascer de novo e dirigir glória e honra apenas a Deus.

    Todavia, a pregação da insuficiência de Cristo não ficou restrita ao catolicismo medieval. Por essa razão, é necessário reafirmar continuamente o ensino bíblico da suficiência do nosso Salvador. Até porque, essa é a mensagem do evangelho. Ninguém pode ser salvo sem Jesus. As obras, por melhores que sejam, não podem pagar pelos inúmeros pecados que já cometemos. Por isso, ao invés de pregações antropocêntricas, os pastores têm de pregar sermões cristocêntricos.

   Infelizmente, a realidade de muitas igrejas tem sido mensagens que mais parecem uma mistura de trechos de livros escritos por coachs e literatura de autoajuda. Há mais psicologia nos púlpitos modernos que nos consultórios! O resultado disso são muitos associados, mas poucos regenerados. Porque só será salvo quem invocar o nome do Senhor (Rm 10.13). Porém, é preciso lembrar das seguintes indagações: “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10.14).

    Destarte, tal como nos dias de Lutero, é imperioso que exponhamos a verdade bíblica acerca da insuficiência humana e da suficiência. Mesmo que isso custe a popularidade. O desejo de ser aprovado pelos homens deve ser lançado fora! Afinal, isso é temor de homens (cf. Pv 29.25). Nós, ao contrário, temos de temer a Deus e só a Ele dar glória. Se esse não é o anseio do seu coração, então é preciso rever sua fé. Foi para isso que fomos adotados por Deus: “para louvor e glória da sua graça” (Ef 1.6). Honremo-lo e glorifiquemo-lo, portanto, em tudo o que fizermos (cf. 1Co 10.31).

        Ora, se Cristo “é a cabeça do corpo da igreja” (Cl 1.18), Ele não pode estar ausente da pregação. É Ele quem sustenta “todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hb 1.3). “Nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele” (Cl 1.16). Como não o adorar e não o anunciar? Como substituí-lo por sermões meramente motivacionais? Isso só é possível se o objetivo for o mesmo de Johann Tetzel[1] (1465-1519), qual seja, auferir lucro com a pregação.

Minha oração é para que o Senhor levante mais pastores comprometidos com sua Palavra. Indivíduos que não busquem a glória dos homens (Jo 12.43), mas que se empenhem em promover a glória de Deus. Pessoas que estejam dispostas a negar a si mesmos, tomar sua cruz e seguir o Cristo (Lc 9.23).

Que Deus nos abençoe!

Pr. Cremilson Meirelles



[1] Frade Dominicano alemão que na época de Lutero ganhou fama como um grande vendedor de indulgências (perdão dos pecados).

   

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