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MOTIVOS PARA NÃO CELEBRAR A CEIA ONLINE

 Na catedral da Reta da Penha em Vitória -ES Instagram posts ...

A pandemia de COVID-19, evidentemente, trouxe grandes mudanças no cotidiano das pessoas. Isso, inevitavelmente, alcançou as igrejas. Afinal de contas, com a imposição do isolamento social e as precauções necessárias para evitar o contágio, as reuniões presenciais ficaram prejudicadas. Em razão disso, muitas igrejas, com o propósito de minimizar os efeitos do distanciamento social, passaram a transmitir seus cultos pelos meios digitais. Nesse contexto, surgiu uma discussão entre os pastores a respeito da viabilidade da celebração da Ceia do Senhor via internet. Isso porque, alguns consideraram que, por conta das limitações conjunturais, esse expediente tinha de ser adotado.

Obviamente, essa conclusão foi contestada. Porquanto, pastores mais conservadores entenderam que se tratava de uma postura puramente pragmática, e, por conseguinte, sem amparo bíblico. Em resposta a essa objeção, os defensores da Ceia virtual ressignificaram o ajuntamento da igreja, argumentando que as lives seriam equivalentes às reuniões presenciais. Seguindo esse raciocínio, sua prática estaria alinhada com as Escrituras.

Todavia, há várias inconsistências nessa argumentação. Uma delas diz respeito à aplicação dessa equivalência a outras áreas da vida. Afinal, se as lives são equivalentes às reuniões presenciais, por que as pessoas não se satisfazem com esses “encontros virtuais” em outras situações, tais como funerais, aniversários e casamentos? Ora, todos concordamos que uma comunicação familiar exclusivamente virtual seria deficiente. Isso, por si só, já constitui uma evidência de que não há equivalência real.  

Ademais, existem princípios bíblicos que impedem a realização de uma Ceia online. O primeiro deles é a necessidade de imitarmos Jesus (1Co 11.1; Ef 5.1).  Haja vista que o Filho de Deus declarou que não beberia do fruto da vide até que se reunisse com seus discípulos, fisicamente, no Reino do Pai (Mt 26.29). Isto é, Ele disse que, conquanto estivesse presente nas reuniões da igreja (Mt 28.20), através da pessoa do Espírito Santo (Jo 14.16,17), só participaria da Ceia quando estivesse fisicamente presente. Ele poderia, naquele momento, ter validado a celebração da Ceia online, e, a reboque, toda a vida cristã no ambiente virtual! Mas, por alguma razão, considerou o encontro presencial importante e insubstituível. Destarte, se Ele não validou, creio que devemos fazer o mesmo.

Outro aspecto importante a ser considerado é que o cumprimento das ordenanças (Batismo e Ceia) não é necessário para salvação, e, por consequência, não é urgente. Logo, sua realização dependerá das circunstâncias. O “ladrão da cruz”, por exemplo, embora tenha depositado sua fé em Jesus Cristo, foi impedido de ser batizado pela situação em que se encontrava (Lc 23.40-43). O Eunuco evangelizado por Filipe, por outro lado, por não haver nenhum impedimento, foi batizado imediatamente (At 8.26-40). Tomando esses episódios como base, podemos concluir que, se a existência de impedimentos é um parâmetro válido para inviabilizar o batismo, o mesmo raciocínio deveria ser aplicado à Ceia do Senhor. Até porque, a inobservância das ordenanças por causa de impedimentos não constitui pecado, e não implica degeneração espiritual. Sendo assim, as igrejas podem, tranquilamente, aguardar o fim da pandemia para retomar a celebração da Ceia do Senhor.

Além disso, é preciso lembrar que a instrução bíblica sobre a periodicidade da Ceia não estabelece um intervalo específico para sua realização. Aponta apenas para sua regularidade (1Co 11.25,26). Ou seja, não há a obrigatoriedade de celebrar a Ceia do Senhor no primeiro domingo de cada mês. Mas, uma coisa é patentemente expressa nas Escrituras: a celebração da Ceia ocorre no contexto da adoração coletiva. Não há nenhum registro de ministração individual dessa ordenança. Tanto, que doutrina, comunhão e oração acompanham o “partir do pão” (At 2.42). Por isso, quando o apóstolo Paulo trata do assunto, destaca o caráter presencial da Ceia, indicando que os crentes devem se reunir como igreja (1Co 11.18) no mesmo lugar (1Co 11.20), e não cada um na sua casa. Aliás, ele deixa bem claro que há diferença entre o local de reunião da igreja e as casas dos crentes (1Co 11.34). O próprio Jesus, ao instituir a Ceia, não o fez em sua casa, com sua mãe e seus irmãos consanguíneos.

Outrossim, vale ressaltar que a Ceia do Senhor consiste em receber e participar. Foi assim que a primeira Ceia aconteceu. Jesus distribuiu os elementos aos seus discípulos (Mt 26.26,27). Na celebração virtual, no entanto, isso não acontece. Não há distribuição. Cada um toma o elemento nas mãos e acompanha o pastor pela tela de um aparelho (TV, computador, tablet, smartphone). Isso não pode ser considerado equivalente à celebração presencial!

É bem verdade, entretanto, que Jesus e seus apóstolos realizaram alguns feitos à distância, tais como curas (Mt 8.5-13; Mc 7.24-30), intercessões (At 12.5) e exercício da liderança (1Co 5.3-5). Contudo, essa relação não presencial era insuficiente para eles. Paulo, por exemplo, manifestou várias vezes o desejo de estar presencialmente com os irmãos (Rm 1.10-13; 15.23,24; 1Co 16.7; Fp 2.24; 1Ts 2.17,18). Semelhantemente, João dirigindo-se à igreja, escreveu: “tendo muito que escrever-vos, não quis fazê-lo com papel e tinta; mas espero ir ter convosco e falar de boca a boca, para que o nosso gozo seja cumprido” (2Jo 1.12). Isto é, não bastava comunicar-se por meio de cartas. Era necessário estar junto. Mesmo assim, alguns insistem em defender a suficiência da Ceia online.

Além dessas incoerências, há pastores que têm de lidar com outro problema associado a essa modalidade de Ceia. Porquanto, ao contrário das outras denominações, uma parcela considerável de ministros batistas crê que a Ceia do Senhor não deve ser levada ao domicílio daqueles que, por alguma razão, não puderam comparecer ao culto. Porque, na sua compreensão, a Ceia deve ser celebrada com a igreja reunida. Porém, ao praticar a celebração online, esse princípio é automaticamente jogado por terra. Pois, a Ceia é levada às casas de muitas pessoas. De modo que, quando a pandemia terminar, não poderão se negar a fazer o mesmo fisicamente, e nem impedir que alguns participem via internet.

O mais estranho nisso tudo, é que, quando olhamos para as páginas da Bíblia, vemos a igreja primitiva, mesmo correndo risco de morte, valorizando a comunhão presencial. Mas, atualmente, parece que a conexão virtual recebeu o selo de suficiência eclesiástica, ascendendo ao status de substituto dos encontros presenciais. Ora, essa postura está, claramente, na contramão do ensino bíblico! Ela não se encaixa na metáfora do corpo (Ef 4.15,16). Como seria possível um membro, a quilômetros de distância, ter comunhão real com outro, e ainda compartilhar o pão e o cálice com ele?

Quando foi que nossos conceitos mudaram? Por que o inimigo de hoje (o corona vírus) é considerado mais hostil do que aqueles que assassinaram os apóstolos? Mais violento que os apedrejadores de Estevão? Por que o culto presencial tem que parar? Por que o templo se tornou mais perigoso que os mercados e as filas de banco? O que aconteceu com aqueles que afirmaram servir àquele que morreu presencialmente na cruz?

Esses e outros questionamentos, com toda certeza, permeiam as mentes de muitos cristãos sinceros e piedosos. Isso porque, sabem que uma pessoa sozinha em sua casa, ainda que conectada à internet, não é igreja. Haja vista que um crente, na Bíblia, é templo do Espírito Santo (1Co 6.19). Igreja é a congregação. Tanto, que no idioma grego o termo traduzido como igreja está no plural (ekklesía = chamados para fora), dando a ideia de mais de uma pessoa. Aliás, cabe sublinhar que os termos hebraicos (῾ēdâ, qāhāl) e gregos (synagōgē, ekklesia) que se alinham com a ideia de congregação se referem a reuniões presenciais, e não à adoração individual.

Contudo, a igreja local não existe somente quando os cristãos se reúnem para cultuar. Eles permanecem vinculados por conta de sua filiação àquele grupo de crentes. Porque, tal como relata Atos 2.47, o indivíduo convertido é acrescentado a um corpo local de crentes. Essa filiação é evidenciada pela submissão à liderança (1Ts 5.12), pelas relações com os demais servos de Deus (Cl 3.13), e pela sujeição à aplicação da disciplina (Mt 18.17). Isto é, embora não estejamos reunidos o tempo todo, somos igreja local o tempo todo. Porquanto, a disposição de cultuar juntos e as relações comunitárias cotidianas fazem a manutenção do pertencimento. Numa “igreja online” isso não existe.

Em razão disso, acredito que a celebração da Ceia do Senhor via internet não tem fundamentação bíblica e nem prática. Afinal, a “experiência” virtual não é equivalente à presencial. Há diferenças gritantes. Nada justifica a implementação dessa prática. Fazê-lo seria o mesmo que atribuir à Ceia um poder que ela não tem, e, por conseguinte, gerar no imaginário evangélico a ideia de que a participação traz bênçãos ou agrega valor espiritual; o que não condiz com a realidade bíblica.

Pr. Cremilson Meirelles
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