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ENTRE TONÉIS E TINTA PRETA


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            Não. Este artigo não é sobre oficinas. Na verdade, pretendo falar sobre igrejas. Pois, por mais incrível que possa parecer, algumas lideranças evangélicas têm abandonado a decoração tradicional dos templos e abraçado uma nova configuração, que inclui paredes pintadas de preto e tonéis em lugar do púlpito. Esse novo estilo é resultado da influência da igreja australiana hillsong church, que há muitos anos tem introduzido suas canções em nosso país, alcançando grande popularidade. Isso associado à frequente participação de famosos, como Justin Bieber e Bruna Marquezine, nos cultos de suas filiais, fez da hillsong um modelo a ser imitado. De maneira que paredes pretas, jogo de luz e muita música se tornaram elementos fundamentais em algumas igrejas.   
Inúmeras justificativas para o novo layout vêm sendo apresentadas. Argumenta-se, por exemplo, que o ambiente escuro evita distração, mantém o foco em quem está à frente e favorece o cenário para a filmagem, uma vez que esconde os cabos elétricos. Curiosamente, nenhum desses “benefícios” contribui para a glória de Deus, mas para destacar mais ainda o homem. Até porque, se a iluminação permanece apenas sobre quem está à frente, o propósito, evidentemente, é realçar essa pessoa. Consequentemente, se o único iluminado é quem está no palco, o indivíduo ao lado de quem assiste se torna invisível. Dessa forma, é possível entrar e sair do templo sem nem ao menos identificar quem esteve ali conosco. Assim, se por um lado existem benefícios, por outro, há duas consequências maléficas: a exaltação dos que estão à frente e a produção de uma comunhão deficiente.  
Além das implicações supracitadas, é preciso considerar o seguinte: se, de fato, a camuflagem dos cabos é algo tão importante, e o melhor meio de obtê-la é através da cor preta, por que as emissoras de TV não lançam mão desse recurso em seus programas de auditório? E ainda que usassem com frequência, o que uma igreja tem a ver com programas de TV? Por que deveríamos imitá-los, já que nossos objetivos são diferentes? Eles buscam fidelização, nós expectamos conversões.
Esses questionamentos nos levam a refletir a respeito da real motivação de quem decora o local de culto desse jeito. Imagino que o intuito seja tornar o espaço mais agradável a quem não gosta de igreja. Afinal de contas, esse layout remete o observador à imagem de uma boate ou uma casa de shows, mas jamais uma igreja. Corroborando essa conclusão, o jornal o globo, em uma matéria sobre o assunto, declarou que a proposta dessas comunidades “é ser uma igreja para quem não gosta de igreja”[1]. Isto é, a ideia é tornar o ambiente atrativo para quem não professa a fé cristã e para desigrejados. Haja vista que, segundo o pastor Vinicio Silva, entrevistado na matéria citada, as igrejas convencionais não alcançam esse objetivo porque “batem nas pessoas” e “falam o tempo todo em pecado, em inferno”. Em suma, o que se pretende com esse visual é fazer as pessoas se sentirem bem. Sendo assim, a confrontação e a disciplina são praticamente proibidas.
Possivelmente, para alguns, esse modelo parece ser o ideal. Inobstante, antes de se posicionar, é imprescindível responder uma pergunta: o ambiente em que Jesus, João Batista e os apóstolos pregavam era claro ou escuro? A resposta é óbvia: eles não estavam preocupados em parecer descolados ou informais. Afinal, sua confiança estava no Senhor que lhes dera a mensagem para anunciar, e não no ambiente em que a pregação ocorreria. Por conseguinte, fosse no deserto (Mt 3.1), nas sinagogas (Mt 4.23), no monte (Mt 5.1-7.29), no cenáculo (At 20.7,8), nas casas ou no templo (At 5.42), o mais importante era a proclamação do evangelho. O conteúdo da pregação era o elemento prioritário (Gl 1.8). O cenário era de somenos importância.
            Lamentavelmente, na contemporaneidade a primazia foi atribuída ao layout da sede da igreja local, e o conteúdo foi considerado secundário. A opção por esses estilos alternativos é um exemplo da falta de confiança no poder de Deus (Rm 1.16). Porquanto, é inegável que as igrejas que adotam o black style church atraem muito mais jovens que as que optam pelo layout tradicional. Portanto, tal escolha é claramente pragmática. Não há fundamentação bíblica ou histórica para essa confiança no cenário, e nem para o uso da cor preta nos templos.
O tabernáculo, que era um santuário portátil, símbolo da presença de Deus em Israel, embora tivesse elementos com cores variadas, não tinha nada preto. Provavelmente, isso se deve ao fato de que, na simbologia bíblica, a cor preta é utilizada como metáfora negativa, às vezes, indicando a fraqueza resultante da fome (Lm 4.8), a carestia (Ap 6.5,6), o luto (Jr 8.21), e obras pecaminosas (Ef 5.11). Obviamente, isso não significa que não podemos usar roupas ou objetos pretos, e nem que devemos ser racistas, mas chama a atenção para a incoerência simbológica da prática em questão; dado que, quando o Todo-poderoso se utilizou de símbolos relacionados ao ambiente de culto, não empregou a cor preta (Êx 25-31).
            É bem verdade, no entanto, que o argumento acima, por si só, é insuficiente para derrubar a tese do templo preto; visto que alguns dos ornamentos usados em espaços tradicionais de reunião da igreja também não aparecem no texto bíblico. Porém, não podemos negar o fato de que o ser humano é um ávido produtor e consumidor de símbolos. Pois, “o pensamento simbólico não é domínio exclusivo da criança, do poeta ou do desequilibrado: ele é consubstancial ao ser humano: precede a linguagem e a razão discursiva” (ELIADE, 1991, p. 13). De modo que, conquanto a Bíblia seja a bússola da igreja, a relação desta com a cultura por vezes enseja a apropriação de novos símbolos. Haja vista que estes são utilizados a fim de representar aquilo em que se acredita.
Essa predisposição religiosa à agregação de símbolos se reflete, geralmente, no ambiente de culto. Até porque, conforme mencionamos, o símbolo possui um caráter representativo. Ou seja, conforme explica Santos (1959, p. 14), o símbolo “é alguma coisa que está em lugar de” outra.  A cruz, por exemplo, representa a obra redentora do Cristo. Por conta disso, ela está sempre presente nas manifestações cúlticas, seja na linguagem ou na imagem. Seu papel é apontar para uma realidade que transcende o objeto.
Não obstante, com o passar do tempo, o cabedal simbólico evangélico, propulsionado pela incessante busca por resultados, aumentou significativamente. As paredes pretas e os tonéis são apenas parte disso. Pois, apesar de aparentemente não existir intenção de simbolizar nada, o ambiente cúltico na cor preta e o púlpito-tonel produzem um efeito similar ao dos símbolos. Isso porque, seu objetivo não é apenas estético, mas, sobretudo, remissivo. De modo que remetem o fiel a algo além da cor da tinta e do púlpito, dando a impressão de informalidade, inclusivismo e vanguarda. Outrossim, essa configuração faz parecer que a intenção é destacar o líder como alguém descolado, moderno, garotão.
Contudo, o que quero salientar não é a obrigatoriedade de aplicar o simbolismo bíblico na decoração da sede da igreja local, mas o princípio que deve nortear tudo o que fazemos: a glória de Deus (1Co 10.31). É para ela que nossa simbologia eclesiástica deveria apontar. Ao invés disso, na igreja preta o homem é quem acaba ocupando o lugar central. Se o contexto fosse outro, como um depósito de latões ou uma oficina, faria mais sentido. Porém, tonéis num local de culto preto decerto desviarão a atenção de quem visualizar o cenário pela primeira vez. Sem dúvida, terão a impressão de que se trata de um ambiente informal e acessível à juventude, e, possivelmente, se unirão ao grupo somente por essa razão. Mas, com toda certeza, não é esse tipo de agregação que queremos.
Minha conclusão é que devemos manter o modelo bíblico, tanto em relação aos elementos do culto quanto ao mobiliário, a fim de manter o foco na exposição das Escrituras. Esdras, por exemplo, sobre uma plataforma, efetuou a leitura da Lei do Senhor (Ne 8.4,5). O propósito, claramente, era destacar a Palavra de Deus, e não o escriba. Todos estavam se vendo, não havia obscuridade. Semelhantemente, Paulo ensinou à igreja de Trôade num lugar em que havia muita iluminação (At 20.7,8). Isso sim deve ser imitado. No entanto, isso só ocorrerá se a prioridade for a glória de Deus, e não a ascensão de uma nova denominação ou a projeção de um líder. De outro modo, novos elementos continuarão sendo inseridos, e a igreja ficará cada vez mais distante de sua forma original.
Pr. Cremilson Meirelles


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CROATTO, José Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa: uma introdução à fenomenologia da religião. 3 ed. São Paulo: Paulinas, 2010.

ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. Tradução de Maria Adozinda Oliveira Soares. Lisboa, Portugal: Editora Arcadia, 1991.

SANTOS, Mario Ferreira dos. Tratado de Simbólica: enciclopédia de ciências filosóficas e sociais. 2 ed. São Paulo: Logos, 1959. 
                                               
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2 comentários:

  1. Mesmo estranhando a cor da tinta considero preferível Preta se os adoradores forem conforme João 4:23,24!

    No entanto, o modismo Dem barraca intenção duferente...

    Henri de Sandra.

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  2. Por que te preocupas com a decoração das igrejas alheias, meu amado irmão? Muitas pessoas que não conheciam Jesus se converteram em igrejas deste modelo e talvez nunca se aproximariam de uma igreja de molde tradicional.

    "Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns.
    E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele.

    1 Coríntios 9:22,23"
    Deixe de preocupar-se com aparências e vaidades e comece a se preocupar com a mensagem que está sendo pregada. Abraços, fica na paz! (Obs: sou assembleiano)

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