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ABSTINÊNCIA OU MODERAÇÃO? - PARTE III

Pastoral redigida para o Boletim Dominical da Primeira Igreja Batista em Manoel Corrêa

Depois de tratar dos aspectos etimológicos e contextuais referentes ao termo grego nephálios, resta-nos analisar o ponto-chave da controvérsia. Isto é, a aparente contradição entre os versículos 3 e 8 de 1Timóteo 3. Pois, neles Paulo usa a expressão “não dado ao vinho” como uma qualificação necessária aos bispos/presbíteros, e “não dado a muito vinho” como requisito para o diaconato. Como entender essa diferença? É o que veremos a seguir.
Em 1Timóteo 3.3, o termo empregado, no idioma original, para destacar a postura do bispo/presbítero em relação ao vinho é o grego paroinos, o qual é construído a partir da aglutinação de duas palavras: a preposição pará, que dá a ideia de proximidade (perto de, ao lado de), e o substantivo oinos, que pode significar tanto vinho fermentado quanto não fermentado. A união desses termos significa, literalmente, “colocar-se ao lado do vinho”. Levando em conta que Paulo usa essa palavra numa expressão negativa (me paroinon = não dado ao vinho), provavelmente, sua intenção era destacar a necessidade de manter distância do vinho. Sendo assim, concluímos que, nesse contexto, o termo oinos é usado com referência ao vinho embriagante. Uma evidência disso é o fato de que paroinos, tanto na literatura grega como na judaica, era utilizado para referir-se a pessoas bêbadas ou viciadas em vinho.
É importante sublinhar também que a bebida usual dos judeus era a água (DAVIS, p. 75), e não o vinho. Aliás, bebidas alcoólicas eram raramente consumidas por eles. Seu consumo, inclusive, era vedado aos reis e aos príncipes (Provérbios 31.4). Da mesma forma, os sacerdotes não podiam beber vinho embriagante durante o exercício de suas funções (Levítico 10.9; Ezequiel 44.21). Isto é, já no Antigo Testamento existia a proibição de “beber em serviço”. Por conseguinte, partindo do princípio que o líder cristão está sempre “em serviço”, ou seja, entendendo que ele nunca tem folga das atitudes e qualificações elencadas em 1Timóteo 3, a abstinência do álcool não é uma regra com cláusulas exceptivas. 
Conquanto essa conclusão seja lógica e razoável, a declaração do apóstolo referente aos diáconos parece contradizê-la. No entanto, seria um absurdo se Paulo, cuja evangelização contribuiu para a conversão de alguns dos próprios farrapos da humanidade, dentre os quais muitos haviam sido devassos, idólatras, adúlteros e bêbados, defendesse o uso de algo que poderia conduzi-los de volta ao lamaçal. Além do mais, seria, no mínimo, estranho considerar que o bispo/presbítero, por ser um oficial da igreja, tivesse a obrigação de se abster do álcool, mas os diáconos não precisassem observar essa restrição. Qual a razão dessa diferença? Maior santidade? Creio que não. Até porque, no Novo Testamento o mesmo nível de santidade é exigido de todos: “como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver” (1Pedro 1.15). Afinal, Cristo nos fez reis e sacerdotes (Apocalipse 5.9,10).
Portanto, acredito que, em 1Timóteo 3.8, Paulo não tinha em mente o vinho fermentado; o que é perfeitamente possível, haja vista que, como mencionamos, o termo grego oinos era usado tanto para o vinho alcoólico quanto para o não alcoólico. Por essa razão, concluo que o apóstolo estava advertindo os diáconos quanto à glutonaria. Ou seja, a orientação dizia respeito ao consumo exagerado de vinho não fermentado; algo muito comum nas sociedades pagãs. Ademais, como os diáconos “serviam às mesas”, a tentação do descontrole alimentar devia ser constante. Outrossim, o texto diz claramente que os diáconos, da mesma forma (ou semelhantemente) que os bispos/presbíteros, tinham de ser respeitáveis (grego  semnós). Ora, como poderiam gozar da mesma respeitabilidade que os bispos/presbíteros procedendo de maneira diferente? De igual modo, como poderiam ser irrepreensíveis (1Timóteo 3.10) como os bispos/presbíteros (1Timóteo 3.2) se não observassem as atitudes que caracterizavam essa irrepreensibilidade?
Continua...
                        
 Pr. Cremilson Meirelles 
 




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAVIS, John D. Dicionário da Bíblia. 19 ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1996.

COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Trad. Gordon Chown. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. 1 v.

GINGRICH, F.Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento – Grego/Português. São Paulo: Vida Nova, 1984. 228 p.

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: 1Timóteo, 2Timóteo e Tito. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.

KITTEL, Gerhard; FRIEDRICH, Gerhard. Theological Dictionary of The New Testament. Translator: BROMILEY, Geoffrey W. 1985

LOUW, Johannes P; NIDA, Eugene A. Greek-english Lexicon of the new testament based on Semantic Domains. Vol. 1: introduction and domains. New York: United Bible Societies, 1988.

TAYLOR, William Carey. Introdução ao Estudo do Novo Testamento Grego – Gramática. Rio de Janeiro: JUERP, 1990. Reimpressa pela Editora Batista Regular, São Paulo, 1999.
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