Pastoral redigida para o Boletim Dominical da Primeira Igreja Batista em Manoel Corrêa
Existem assuntos atinentes à conduta cristã que, embora sejam decisivos
para o desenvolvimento ou evitamento de certos hábitos, não encontram consenso
entre os evangélicos. Um deles, sem dúvida, é a relação entre o cristão e as
bebidas alcoólicas. Pois, diante dessa questão a cristandade permanece
dividida. Isto é, enquanto uns defendem o consumo moderado do álcool, outros
argumentam em prol da abstinência. O curioso, entretanto, é que ambos utilizam
as Escrituras para sustentar seus posicionamentos. Um dos textos classicamente
empregado para esse fim é 1Timóteo 3. Isso porque, nele, o apóstolo Paulo,
aparentemente apresenta as duas situações: moderação e abstinência. Destarte,
para uma conclusão devidamente fundamentada, seja para um lado ou para o outro,
é imperiosa a análise desse texto. Por essa razão, nos dispusemos a verificar o
que o trecho em pauta realmente significa.
Antes de principiar a análise, é necessário salientar que a passagem em questão
pertence a uma das cartas que o apóstolo Paulo remeteu a Timóteo, o jovem
pastor da igreja de Éfeso, a fim de orientá-lo sobre a condução do rebanho que
o Senhor lhe confiara. Dentre as orientações, estão as qualificações
necessárias aos oficiais eclesiásticos, as quais incluem uma postura adequada ante
o consumo de bebidas alcoólicas. A grande dificuldade, entretanto, é definir se
essa postura envolve abstinência ou moderação; pois, há duas diretivas paulinas
aparentemente contraditórias: uma relativa à conduta dos bispos e outra
referente aos diáconos. A estes o apóstolo recomenda que não sejam “dados a
muito vinho”, mas aos bispos a orientação parece ser mais severa: “convém,
pois, que o bispo seja irrepreensível [...] não dado ao vinho [...]”
(1Timóteo 3.2,3).
Diante desse dilema, surgem várias propostas interpretativas. Uma delas sugere
que o apóstolo, propositalmente, faz distinção entre os dois oficiais, com o
fito de destacar a necessidade de maior santidade dos bispos, uma vez que sobre
estes pesa a responsabilidade da liderança. Seguindo essa linha, somente os
bispos/pastores precisariam alcançar esse nível de santidade, os diáconos não.
Isso cria uma distinção similar à defendida pelos neopentecostais, pois coloca
o pastor num patamar espiritual mais elevado que os demais crentes. Além disso,
em 1Timóteo 4.12, Paulo recomenda a Timóteo que seja “o exemplo dos fiéis”.
Ora, se o bispo/pastor deve ser exemplo, isso inclui, necessariamente, sua
postura em relação ao vinho. Se não fosse assim, o apóstolo não teria feito
essa recomendação. Olhando por esse prisma, nem o pastor e nem os fiéis
deveriam consumir bebida fermentada. Só os diáconos teriam esse “privilégio”.
Mas, qual seria a razão para isso? Fazer com que os diáconos estivessem sempre
sorridentes? Sinceramente, não há uma explicação razoável para isso. Portanto,
a meu ver, essa interpretação deve ser descartada.
Outra possibilidade aventada por alguns intérpretes é que, nos dois casos, dos
bispos e dos diáconos, a orientação apostólica estaria apontando para a moderação.
Isso porque, segundo os defensores dessa tese, a expressão “dado ao vinho”
seria uma alusão ao desregramento no consumo do álcool. Consequentemente, o
apóstolo estaria recomendando o consumo moderado do vinho, mas não a
abstinência. Para sustentar esse posicionamento, geralmente recorre-se à
profilaxia recomendada por Paulo ao jovem pastor: “não bebas mais água só, mas
usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes
enfermidades” (1Timóteo 5.23). Essa interpretação, entretanto, não preenche
todas as lacunas. Até porque, não explica o emprego de palavras diferentes em
1Timóteo 3.3 e 8, mas as toma como sinônimas sem nem ao menos argumentar em
favor dessa sinonímia. Por conta disso, acredito que uma solução razoável
requer uma análise semântica e gramatical do texto, sobretudo no que tange aos
termos relacionados ao consumo e à abstinência do álcool.
Acerca
desses termos, vale sublinhar que não podemos tratar da recomendação paulina
relativa às bebidas fermentadas sem considerar o que o apóstolo diz a respeito
da sobriedade. Até porque, essa é uma das virtudes que ele pontua antes de
mencionar a postura dos bispos em relação ao vinho. O vocábulo por trás dessa
qualidade é o grego nephálios, o qual pertence a um grupo de palavras que,
tanto no grego clássico como no bíblico, indicam, literalmente, um estado de
abstinência do vinho. Em seu uso figurado, entretanto, o termo aponta para a
clareza mental. Apesar disso, no Novo testamento, nephálios só aparece
nas cartas pastorais, a fim de apontar o estilo abstinente requerido dos
bispos, das mulheres e dos presbíteros.
Continua...
ABSTINÊNCIA OU MODERAÇÃO? - PARTE I
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
on
15:35
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