Pastoral redigida para o Boletim Dominical da Primeira Igreja Batista em Manoel Corrêa
Algo digno de nota em relação à
perspectiva bíblica acerca da escravidão é o fato de que a Escritura nunca condenou
a servidão voluntária. Tanto, que a Lei continha normas aplicáveis àqueles que
desejassem perpetuar sua condição de escravo (Deuteronômio 15.16,17). Além
disso, como já mencionamos, de acordo com a Lei mosaica, a própria escravidão
em si deveria ser um ato voluntário, com o objetivo de quitar uma dívida: “quando
também teu irmão empobrecer, estando ele contigo, e se vender a ti, não o farás servir serviço de escravo” (Levítico
25.39).
Todavia, é importante sublinhar que,
tal como o texto supracitado sugere, havia distinção entre o escravo israelita
e o gentio. Pois, enquanto este podia ser vendido (Deuteronômio 21.14), aquele
a si mesmo vendia. No entanto, apesar dessa diferença, o escravo gentio, tal
como o israelita, gozava de uma série de benefícios. Um deles, inclusive,
funcionava como uma espécie de freio inibidor da violência dos patrões.
Porquanto, se alguém ferisse os olhos ou os dentes de um escravo, gentio ou
israelita, segundo a Lei, teria de libertá-lo (Êxodo 21.26, 27).
Há nesse texto, entretanto, uma
aparente contradição. Porquanto, nos versículos anteriores, a Bíblia diz que “se
alguém ferir a seu servo ou a sua serva com vara, e morrerem debaixo da sua mão,
certamente será castigado; porém, se ficarem vivos por um ou dois dias, não
será castigado, porque é seu dinheiro” (Êxodo 21.20,21). Tal afirmação, aos
olhos dos críticos, constitui uma prova cabal de que o escravo era considerado
uma coisa, e que, portanto, não tinha direitos. Afinal, embora a Lei previsse a
pena de morte para o assassinato (Gênesis 9.6), essa sentença não seria
aplicada a quem matasse seu escravo.
Contudo,
é possível perceber que o propósito do texto não é apontar o escravo como
mercadoria; afinal, no versículo 20, o agressor é punido. O fato de não ser
aplicada, nesse caso, a pena capital, não coisifica o escravo. Na verdade, a legislação
estava dando ao patrão o benefício da dúvida. Isto é, na situação hipotética
mencionada no texto, ele estaria disciplinando seu servo por alguma má ação,
mas sem a intenção de matar. Ou seja, o que está em vista é uma morte
acidental. Logo, não há contradição.
Outra evidência de que a condição do
escravo estrangeiro não era tão ruim quanto se pensa, é o fato de que podia
contrair matrimônio com os filhos de seu dono. Um exemplo disso é encontrado em
1Crônicas 2.34,35, onde relata-se que um escravo egípcio casou-se com a filha
de um israelita. Da mesma forma, em Êxodo 21.7-11, está prevista a
possibilidade de uma escrava casar-se com o filho do patrão, e gozar de todos
os direitos de uma filha (Êxodo 21.9).
A peculiaridade da escravidão praticada
pelo povo da Antiga Aliança salta aos nossos olhos, sobretudo, quando
verificamos que, além de todos os benefícios já mencionados, os escravos
podiam, inclusive, ter parte na herança de seu senhor: “O escravo prudente
dominará sobre o filho que causa vergonha e, entre os irmãos, terá parte na
herança” (Provérbios 17.1). Outrossim, era concedido ao escravo o privilégio
de, na ausência de filhos do patrão, ser o único herdeiro (Gênesis 15.3).
O mais impressionante nisso tudo, é que
estamos tratando apenas de textos do Antigo Testamento, os quais são
erroneamente classificados, por alguns, como cruéis e desumanos. Contudo, ao
que parece, havia mais “humanidade” naqueles textos que em muitas sociedades
contemporâneas. De modo que, muitos, facilmente concluirão que era melhor ser
escravo no antigo Israel que ser livre em alguns lugares no mundo de hoje.
Continua...
Pr. Cremilson
Meirelles
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BANZOLI,
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Paulo: Clube de Autores, 2017.
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em: http://www.monergismo.com/textos/etica_crista/biblia-defende-escravidao_GaryMar.pdf
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Manual popular de dúvidas, enigmas e
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VAUX,
Roland de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida
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A ESCRAVIDÃO NA BÍBLIA - PARTE IV
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