Esta pergunta, embora aparente ser simples, é capaz de calar muitas
pessoas. Isso porque, a maioria dos crentes nunca parou para pensar nisso.
Afinal, apresentar uma criança durante o culto coletivo é algo que acontece com
certa frequência nas igrejas. Talvez, por conta disso, não realizá-la seja, na
mente de muitos cristãos, praticamente, um pecado. Alguns, inclusive, agem como
se uma criança “não apresentada” estivesse à mercê do mal, mais ou menos como
ocorre no catolicismo quando uma criança não é batizada (morre pagã). Isto é,
parece que, aos olhos de grande parte dos evangélicos, a apresentação de uma
criança a imuniza de toda sorte de males, funcionando como espécie de “vacina
espiritual”. Que pensamento esquisito!
O primeiro ponto a ser considerado a fim de dirimir as dúvidas que
circundam esse assunto, é o que a Bíblia diz sobre ele. Quanto a isso, convém
destacar que não há no Novo Testamento nenhuma ordem, ou mesmo uma
recomendação, alusiva à apresentação de crianças. A única referência
neotestamentária à prática é a apresentação de Jesus, relatada em Lucas 2.22.
Contudo, é importante observar que o evangelista sublinha que José e Maria
estavam, na verdade, cumprindo a Lei mosaica (porque eram judeus), e não
estabelecendo uma regra para a igreja. Jesus só foi apresentado no templo
porque era o primogênito (Lucas 2.23), e não para que seus seguidores
repetissem esse ato. Até porque, a apresentação não foi iniciativa de Jesus
(era apenas um bebê), mas de seus pais, que o fizeram por serem judeus, e não para
normatizar uma prática para a igreja.
Por conseguinte, o simples fato de Jesus ter sido apresentado não faz da
apresentação uma ordenança para os cristãos. Porquanto, se assim fosse,
teríamos que reproduzir tudo o que José e Maria fizeram por ocasião da
apresentação, a saber: a circuncisão (Lucas 2.21), a oferta (Lucas 2.24), e a
purificação da mãe (Lucas 2.22), que era a restauração da mulher à comunhão
cúltica, uma vez que, ao dar à luz a um filho varão, a genitora ficava, por
quarenta dias, impedida de adentrar o santuário (Levítico 12.1-4). Entretanto,
nada disso se aplica à igreja; haja vista que, no Novo Testamento, a
circuncisão que vale é a do coração (Romanos 2.29), o sacrifício requerido é o
louvor dos lábios dos que confessam seu nome (Hebreus 13.15), e a “purificação”
é a justificação e a santificação operadas pela graça, por meio do sacrifício
de Cristo (Efésios 5.25,26).
Então, por que cargas d’água as igrejas continuam apresentando crianças?
Bem, a apresentação é uma tradição que surgiu entre os cristãos que rejeitam o
batismo infantil. Pois, embora não praticassem a imersão (ou aspersão) de
crianças, reconheciam a importância de consagrar seus filhos a Deus. Essa
prática, embora não seja diretamente ordenada pelas Escrituras, não fere nenhum
de seus princípios. Afinal, a Bíblia diz que devemos orar uns pelos outros
(Tiago 5.16; 1Tessalonicenses 5.25; 1Timóteo 2.1). Logo, não há problema algum
em orar por uma criança, seja diante da congregação ou no lar. Além do mais, a
Sagrada Escritura nos orienta a criarmos os filhos na doutrina e admoestação do
Senhor (Efésios 6.4), ou seja, educá-los no contexto da fé, ensinando-lhes a
Palavra de Deus, a fim de prepará-los para toda boa obra (2Timóteo 3.16,17).
Assim, ao apresentarem seus filhos, os pais cristãos reafirmam publicamente o
compromisso assumido (de instruí-los no caminho do Senhor), e, com a igreja,
rogam a Deus que abençoe seu rebento.
Não obstante, por ser uma tradição, e não um mandamento, não é
imprescindível apresentar um recém-nascido. Se os pais não o fizerem, nada
mudará. Porquanto, ao contrário do que muitos pensam, apresentar uma criança
não é o mesmo que “fechar o corpo”, e nem garante isenção de enfermidades. A
apresentação é, na verdade, um compromisso assumido pelos pais. Não há nesse
ato a liberação de poderes mágicos que envolvem a criança com uma “aura
protetora”. Eu hein!
Porém,
posto que alguns considerem a apresentação de crianças um ritual mágico que
concede “proteção” ao infante, a Bíblia não subscreve esse pensamento. Nem
mesmo entre os judeus predominava essa ideia. Para eles, a apresentação era um
ato consagratório, ou seja, um rito através do qual demonstravam publicamente
que seu primogênito estava sendo consagrado ao Senhor. Essa prática aludia ao
livramento que Deus dera no êxodo do Egito, protegendo seu povo e salvando os
primogênitos humanos e animais da morte (Êxodo 12.12,13). Por essa razão,
“falou o Senhor a Moisés, dizendo: santifica-me todo primogênito, o que abrir
toda madre entre os filhos de Israel, de homens e de animais; porque meu é”
(Êxodo 13.1,2). Isto é, os primogênitos eram separados para Deus por suas vidas
terem sido poupadas. Dessa forma, os feitos do Todo-poderoso eram lembrados não
somente por ocasião da celebração da Páscoa, mas toda vez que nascia um
primogênito.
A consagração dos primogênitos
simbolizava que tudo o que Israel possuía, na verdade, pertencia ao Senhor. Até
porque, se Deus tem o melhor (os primogênitos, as primícias das colheitas),
também tem o restante. Ademais, essa separação implicava a realização perpétua
do serviço religioso. Contudo, aprouve ao Senhor separar a tribo de Levi para
servi-lo em lugar de todos os primogênitos das outras tribos (Números 3.40,41).
Entretanto, para que essa substituição fosse efetivada, os pais tinham de
redimir seu filho mediante o pagamento de cinco siclos de prata (Números
18.15,16). Essa redenção não eximia o primogênito de responsabilidades, haja
vista que, após o pai de família, a liderança espiritual da casa cabia a ele.
Olhando por esse prisma, fica
patente o distanciamento entre as concepções populares acerca da apresentação de
crianças e o que realmente acontecia. Afinal, de acordo com as Escrituras,
somente indivíduos que fizessem parte da comunidade da Aliança poderiam
apresentar seus filhos. Pois, o simbolismo e o pano de fundo da apresentação
não fariam sentido algum para alguém que não pertencesse ao povo eleito. De
igual modo, ainda que a apresentação, atualmente, seja uma tradição, e não um
mandamento, apresentar filhos de pessoas que não servem a Jesus Cristo também
não faz sentido, visto que a apresentação tem muito mais a ver com a fé dos
pais que com a criança. Se o fizermos contribuiremos diretamente para o
misticismo que tem caracterizado esse rito nas igrejas pós-modernas
Não
obstante, é importante salientar que a apresentação de crianças se reveste de
grande importância no contexto em que predomina o credobatismo[1]. Isso porque, ao realizá-la,
a igreja local reafirma publicamente suas convicções, dizendo a todos que somente
os crentes em Cristo devem ser batizados. Ademais, a necessidade de saturar a
criança com a pregação do evangelho é ressaltada. Afinal, se ela não pode ser
batizada é porque ainda não foi regenerada. E, para que seja, precisa ouvir a
boa notícia da salvação. Contudo, o fato de a apresentação ser realizada
perante a igreja à qual os pais pertencem reitera a responsabilidade de cada
membro no tocante à instrução dos infantes. Isto é, ao fazê-la, o grupo local
de crentes declara que cooperará com os pais para que a criança seja exposta
continuamente à pregação do evangelho.
Todavia,
esse não é o pensamento que predomina nas apresentações que ocorrem com
frequência nas igrejas evangélicas. Na realidade, muitos, baseando-se numa
ideia de “transmissão de unção” ou “fechamento do corpo” do bebê, advogam que filhos
de não crentes devem ser apresentados porque “a criança não tem culpa!” Esse
argumento, no entanto, só faria sentido se houvesse, de fato, a concessão de
uma “aura protetora” por ocasião da apresentação. Mas como esse tipo de coisa não
existe, a argumentação é infundada. Até porque, a criança ter ou não ter
“culpa” não altera em nada o fato de que a apresentação diz respeito ao
compromisso assumido pelos pais e a igreja em que congregam. Logo, se os pais
não professam a fé cristã, a apresentação, para eles, é apenas um ritual para
afastar o mal e atrair “bons fluidos”. Isso, porém, nada tem a ver com as
Escrituras Sagradas. É puro misticismo!
Ante os fatos apontados, concluímos
que, embora apresentar uma criança publicamente não seja imprescindível,
fazê-lo não constitui transgressão. Porque, ainda que a apresentação seja
somente uma tradição evangélica, originou-se a partir de um relato bíblico, e
não fere nenhum princípio exarado no Novo Testamento. E, na verdade, é algo que
contribui para a saúde da igreja. Por outro lado, conforme destacado acima,
essa apresentação deve limitar-se aos filhos de indivíduos regenerados pelo
Espírito Santo. Afinal de contas, só eles compreenderão o real sentido da
prática.
Deus
os abençoe!
Pr. Cremilson
Meirelles
[1] Convicção de que só devem ser
submetidos ao batismo aqueles que creem em Jesus Cristo. Onde predomina esse
pensamento, crianças não são batizadas.
Muito bom, pois a compreensão da apresentação do bebê na igreja tem sido interpretada de forma equivocada. Entretanto, vejo também, que muitos líderes tem usado este expediente como estratégia para levar não crentes, preocupados com o destino de seus filhos, a igreja juntamente com toda a família e amigos. Gostei muito, é didático e nos faz pensar profundamente sobre o assunto. Obrigado !
ResponderExcluirGrande abraço !
Verdade.
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