Com
frequência ouço cristãos afirmando com veemência que todos os servos de Jesus
são pentecostais, porque a igreja d’Ele surgiu no dia de Pentecostes. Além
disso, os que costumam fazer esse tipo de declaração, também têm por prática
utilizar a palavra Pentecostes como sinônimo da efusão do Espírito Santo.
Contudo, diante dessas assertivas, sempre tive a impressão de que algo não
estava certo. Por conta disso, decidi verificar, à luz das Escrituras, a
veracidade de tais afirmações, bem como a viabilidade de seu uso. Todavia,
quero, desde já, deixar claro que este texto não tem a intenção de diminuir
nossos irmãos pentecostais, considerando-os menos salvos ou menos santos que os
cristãos tradicionais. O propósito é exclusivamente analítico.
Primeiramente,
é importante observar que o termo Pentecostes diz respeito a uma festa judaica,
celebrada no quinquagésimo dia após a Páscoa como expressão de gratidão a Deus
pelas colheitas. “O período era particularmente sagrado em Israel, quando eles
reconheciam o Senhor como a fonte da chuva e da fertilidade” (TENNEY, 2008, p.
915). Entre os judeus helenistas, a festa era conhecida como Pentecostes (do
grego pentecosté, que significa
“quinquagésimo”), uma referência ao período de sete semanas de colheita.
Todavia, em relação à Pascoa e à festa do Tabernáculos, o Pentecostes não se
revestia de tanta importância, mesmo entre os judeus da palestina. Tanto, que,
de acordo com Tenney (2008), na literatura rabínica essa festa, praticamente,
não é mencionada. Além disso, só aparece uma vez no Antigo Testamento fora do
Pentateuco (2Cr 8.13). Destarte, cabe-nos indagar: se a festa não gozava de
tanta popularidade (como a Páscoa e os Tabernáculos), por que alguns cristãos
atribuem a ela tanta importância, chegando ao ponto de considerá-la como
sinônimo da descida do Espírito? Isso é, no mínimo, estranho. Afinal, a igreja
cristã já rompeu com o judaísmo há muito tempo, não há necessidade de nos
referirmos à descida do Espírito Santo como Pentecostes.
Às
vezes, fico pensando: será que se a descida do Espírito Santo ocorresse na
festa dos Tabernáculos, haveria pessoas se autodenominando tabernaculais? E se acontecesse no dia da expiação, seriam expiacionais? Na verdade, penso que, por
sermos brasileiros, o nome usado por quem supervaloriza o Pentecostes, deveria
ser quinquagesimais, visto que este é
o significado da palavra. A partir dessa reflexão (um pouco irônica), é
possível perceber o absurdo da supervalorização do secundário (a festa) em
detrimento do primário (a descida do Espírito Santo) e principal.
Outro ponto importante a ser
destacado, é que, embora para alguns o dia de Pentecostes seja tão importante,
e, praticamente, sinônimo da descida do Espírito Santo, para os apóstolos
aquele dia não era tão especial. Tanto, que nenhum deles, ao se referir ao
derramamento do Espírito Santo, usa o termo “Pentecostes” ou “dia de
Pentecostes”. Eles simplesmente falam do que aconteceu, sem nem mencionar a
festa. Senão vejamos: Pedro, ao constatar que o Espírito Santo fora dado aos
gentios na casa de Cornélio, lembra-se que o mesmo acontecera com ele, mas não emprega
o termo Pentecostes para referir-se à sua experiência (Atos 10.44-47). De igual
modo, ao relatar o fato aos demais apóstolos, ele não menciona a festa (Atos
11.15-17), apenas declara: “caiu sobre eles o Espírito Santo, como também sobre
nós ao princípio” (Atos 11.15). Veja: ele diz “ao princípio”, e não “no
Pentecostes”. Se o uso do termo fosse tão importante como alguns pensam, a
Bíblia diria isso.
É interessante observar também que a
palavra Pentecostes só aparece três vezes no Novo Testamento, duas no livro de
Atos (2.1; 20.16) e uma na primeira carta de Paulo dirigida aos Coríntios
(16.8). Entretanto, em nenhuma dessas ocasiões o termo é empregado como
sinônimo da descida do Espírito Santo ou da origem da Igreja. Na verdade, em
duas delas (At 2.1; 20.16), o Pentecostes é utilizado pelo escritor somente
para indicar o período em que os eventos se deram, e não para “endeusar” a
festa. Por outro lado, em 1Co 16.8, Paulo usa o termo para informar quanto
tempo duraria sua estadia em Éfeso. Veja: em todas as ocasiões, o Pentecostes é
usado simplesmente para indicação de tempo.
Por
conseguinte, fica evidente que o evento marcante em Atos 2 não é, nem nunca
foi, a festa ou o dia de Pentecostes, mas sim a descida do Espírito Santo.
Porquanto, conforme foi dito acima, a menção do “dia de Pentecostes” em Atos
2.1 é apenas uma maneira do escritor informar quando o episódio aconteceu, assim
como ocorre em João 7.2, onde o evangelista utiliza a Festa dos Tabernáculos
como marca linguística para localização temporal. Da mesma forma, a ideia de
Lucas, com certeza, não era supervalorizar, e nem mesmo destacar, o dia de
Pentecostes, mas apenas mostrar que a descida do Espírito Santo aconteceu
naquele dia. Só isso. Por isso, o evento mais importante (a descida do
Espírito) é destacado mais à frente (Atos 10.44-47; 11.15-17), enquanto o menos
importante (Pentecostes) não aparece mais nos lábios dos apóstolos, mostrando
que o dia em si não era tão importante, mas sim o que Deus realizou.
Ademais, é necessário frisar que a
igreja já existia antes do dia de Pentecostes. Isso fica evidente no fato de
que os convertidos foram agregados (ou acrescentados). “De sorte que foram
batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e, naquele dia, agregaram-se quase três mil almas”
(Atos 2.41). Diante disso, surge uma questão: eles foram agregados a quê? A
resposta encontra-se no mesmo capítulo de Atos: “E todos os dias acrescentava o
Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar” (Atos 2.47). Isto é, eles
foram agregados à igreja. Além disso, como ressalta A.H. Strong (2003, p. 655),
“é bom lembrar que o próprio Cristo é a união em corpo entre Deus e o homem, o
verdadeiro templo da habitação de Deus. Logo que o primeiro crente ligou-se a
Cristo, a igreja passou a existir”. Portanto, dizer que a Igreja de Cristo
surgiu no dia de Pentecostes é um erro.
O movimento pentecostal surgiu
apenas no início do século XX, a partir de uma experiência extática vivenciada
por alguns cristãos nos Estados Unidos. Contudo, a prática do grupo estava mais
alinhada com a igreja de Corinto que com a de Atos 2. Sendo assim, afirmar que
todas as igrejas cristãs são pentecostais é anacronismo.
Pr. Cremilson Meirelles
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GINGRICH, F.Wilbur; DANKER,
Frederick W. Léxico do Novo Testamento –
Grego/Português. São Paulo: Vida Nova, 1984. 228 p.
STRONG,
Augustus Hopkins. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003. 2 v.
TENNEY, Merrill C. Enciclopédia da Bíblia. São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 2008. 4v.
TODOS OS CRISTÃOS SÃO PENTECOSTAIS?
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
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15:51
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Muito esclarecedora sua analise. Fica difícil de entender o valor dado aos termos e não aos fatos acontecidos. Fatos estes, que marcaram a história do povo cristão.
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