Pastoral redigida para o Boletim Dominical da Primeira Igreja Batista em Manoel Corrêa
Ainda
que o “dom de línguas” manifestado pelos coríntios fosse uma deturpação do dom
original, Paulo não trata do assunto com aspereza, mas com amor. Ele não os
condena de imediato, mas os conduz a um raciocínio que, inevitavelmente, os
levaria a abandonar aquela prática. Se não fosse assim, acredito que eles nem o
ouviriam.
Por
isso, o dom de interpretação de línguas só aparece em 1Coríntios. Em nenhuma
outra lista do Novo Testamento vemos esse dom. Isto porque, como Paulo não
queria ofender seus ouvintes, ele lançou mão de um mecanismo de contenção, ou
seja, se quem falava a “língua estranha” pudesse interpretar (1Coríntios
14.13), jamais haveria a necessidade de falar em uma linguagem incompreensível.
Fazê-lo seria o mesmo que alguém, diante de um auditório de fala portuguesa,
começar um discurso dizendo: “Jesus Christ loves you”; e, em seguida, traduzir,
dizendo: Jesus Cristo ama você! Por que não falar direto em português? Ora, se
a pessoa sabe falar em português, para quê usar outro idioma? Para se exibir? O
mesmo se aplica às “línguas estranhas”. Qual a lógica de falar algo em um
idioma desconhecido para que alguém traduza para uma língua conhecida? Fazemos
isso com estrangeiros, mas com pessoas da mesma nacionalidade é desnecessário.
Então,
me responda com sinceridade: por que Deus faria um negócio desses só na igreja
de Corinto? Em todo o Antigo Testamento vemos Deus falando ao seu povo,
milagres acontecendo, mas não vemos línguas estranhas. Inclusive, o escritor da
epístola aos hebreus afirma em Hebreus 1.1 que Deus falou “muitas vezes e de
muitas maneiras”, porém em nenhuma dessas vezes vemos o fenômeno das línguas.
Na verdade, o escritor prossegue ressaltando que o Pai nos fala neste tempo
através do Filho. Isto é, para ouvir a voz de Deus só precisamos de Cristo,
nada mais.
As
línguas em 1Coríntios são tratadas como um problema, não como uma bênção a ser
perseguida. Tanto que elas só aparecem na epístola endereçada à igreja de
Corinto. Se as línguas incompreensíveis dos coríntios fossem comuns nas outras
igrejas, certamente Paulo teria mencionado nas outras cartas, pois esse tipo de
língua, que só edifica o indivíduo, que ninguém entende (1Coríntios 14.2),
naturalmente, levaria aos mesmos problemas. Exatamente, como acontece hoje em
dia: quem fala as famosas “línguas estranhas” é visto como mais espiritual,
mais santo, etc.
O interessante é que Paulo deixa bem claro que o recebimento dos dons não é
resultado do mérito humano, haja vista que, conforme salienta o apóstolo, o
Espírito Santo distribui os dons “particularmente a cada um como quer”
(1Coríntios 12.11). Portanto, ninguém tem um dom porque é mais santo do que o
outro, ou porque buscou mais a Deus. A concessão dos dons depende da vontade
soberana do Senhor, não do esforço humano. Até mesmo quando Paulo concita os
coríntios a procurarem os melhores dons, sua intenção é mostrar que “os
melhores” não são os que concedem destaque ou edificação própria, mas aqueles
que promovem a edificação do Corpo, ou seja, que beneficiam os outros. Até
porque, essa é a finalidade dos dons (1Coríntios 14.12): a edificação da
igreja, não do indivíduo apenas.
Seguindo
esse raciocínio, o apóstolo, ao listar os dons, coloca as línguas e a
interpretação delas sempre em último lugar (1Coríntios 12.10,28,30), mostrando
que, por não beneficiarem os outros, por não edificar o corpo, não eram os
melhores, mas sim os piores, não devendo, por conta disso, serem buscados. Isto
é reafirmado em 1Coríntios 14, quando Paulo, depois de dizer que o “dom de
línguas” praticado pelos coríntios só edificava a quem falava, declara que eles
deviam abundar nos dons espirituais “para edificação da igreja”, e não para
edificação própria (1Coríntios 14.12). Diante disso, fica difícil continuar com
as “línguas estranhas”.
Pr. Cremilson Meirelles
POR QUE NÃO FALAMOS LÍNGUAS ESTRANHAS? PARTE VIII
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