Essa
é uma pergunta que raramente é formulada. Afinal, no Dia dos Pais, assim como
no Dia das Mães, costumamos lembrar apenas daqueles que têm filhos. Pois eles
são os homenageados. Contudo, enquanto pais e filhos se alegram nessa data
festiva, há outros que, por causa da infertilidade, experimentam o sentimento
oposto. Para essas pessoas, tais celebrações são dolorosas visto que trazem à
memória seu maior anseio: a geração de filhos. Por conta disso, a participação
de uma programação alusiva ao dia dos pais numa igreja, por exemplo, acaba sendo
mais difícil do que parece. É um dos momentos em que o luto pelo filho não
gerado é acentuado. Um sentimento que não é produto de um coração invejoso, mas
de alguém que sofre por não poder ter um filho, que se considera defeituoso,
inferior e chega a cogitar a possibilidade de estar sendo punido por Deus. Ou
seja, indivíduos que precisam do apoio das suas igrejas. Mas como as igrejas
podem ajudá-los? Essa é a pergunta que tentaremos responder neste texto.
Em
primeiro lugar, cabe salientar que eliminar as homenagens não é o caminho.
Porquanto, não é a homenagem em si que incomoda os inférteis, mas sim a
incapacidade de gerar filhos. Seu maior desejo é cuidar de uma criança,
acompanhar e contribuir para o seu desenvolvimento, compartilhar suas
experiências com ela e ensiná-la a amar a Deus. Porém, acima de tudo, eles
querem ter alguém para amá-los e chamá-los de pai (ou mãe) por toda a vida. A
eliminação de uma programação não vai mudar isso. Até porque, a celebração de
datas comemorativas não é o único momento em que a igreja destaca a bênção da
paternidade/maternidade. Cada vez que uma criança é apresentada à igreja há uma
renovação do luto e dos sentimentos que o acompanham.
À
vista disso, é preciso lembrar que a igreja é mais do que um grupo que se reúne
dominicalmente. É uma manifestação local e histórica da família de Deus
(Efésios 2.19). Por meio dela o Senhor supre as necessidades de seus servos (Atos
4.34,35; Efésios 4.28), edifica (1Coríntios 14.12), aperfeiçoa (Efésios
4.10-12), consola (1Coríntios 14.31) e “faz que o solitário viva em família”
(Salmos 68.6). Isto é, essas pessoas que nasceram de novo como resultado da
ação do Espírito Santo, são as ferramentas de consolação do Todo-poderoso.
Indivíduos que estão comprometidos em glorificar a Deus não apenas através da
santificação individual, mas sobretudo pela busca da saúde espiritual de toda a
igreja. Uma postura que se harmoniza com o ensino neotestamentário acerca do
relacionamento entre os membros. Haja vista que somos orientados a sermos
“servos uns dos outros, pelo amor” (Gálatas 5.13) e a nos preocuparmos com a
condição espiritual de cada crente (Gálatas 6.1; Colossenses 3.16). “De maneira
que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com
ele todos se regozijam” (1Coríntios 12.26).
A
preocupação com o sofrimento dos inférteis é, portanto, parte dessa profilaxia
espiritual e se alinha com a ideia de que cada membro é vital para a saúde do
corpo, como Paulo ensina na carta aos efésios: “Antes, seguindo a verdade em
amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o
corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa
operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor”
(Efésios 4.15,16). Negligenciar essa realidade é negar a vocação consolativa do
povo de Deus. Visto que, através da pregação, da adoração corporativa, do
discipulado e do aconselhamento, cada indivíduo é confortado e encorajado pelo
Espírito Santo. Isso porque, Deus não quer que ninguém sofra sozinho. Levando
isso em conta, é imperioso que os cristãos se conscientizem da necessidade de ser
instrumento de conforto e não de desconforto para quem tem de lidar com a
infertilidade.
Essa
consciência, entretanto, precisa ser estimulada pela liderança. O suplício dos
inférteis e o papel consolador da igreja tem de integrar o ensino pastoral. De
forma que a congregação leve em conta a aflição do casal enquanto o filho não
vem. Porque, por mais que acreditemos que Deus pode reverter a infertilidade, o
período em que os tentantes aguardam o milagre é marcado por uma dolorosa expectativa
e por questionamentos que, por vezes, machucam o coração.
Além
disso, é importante lembrar que haverá casais que, por mais que creiam no poder
infinito do Criador, nunca chegarão a experimentar uma concepção miraculosa.
Estes, porém, poderão desfrutar plenamente da bênção da paternidade através da
adoção. Contudo, sempre existirão aqueles que preferirão aguardar a vida
inteira pelo milagre da geração biológica e nunca o receberão. Em ambos os
casos, haverá um caminho difícil a ser trilhado, com várias homenagens às mães
e aos pais. Nessas ocasiões, inevitavelmente, eles lembrarão que, embora
desejem profundamente, não podem ouvir uma criança chamando-os de “mamãe” ou
“papai”. As igrejas não podem fechar os olhos para essa realidade. É preciso fazer
alguma coisa!
Uma
forma de ajudar essas pessoas é não as esquecer. O próprio Deus não se esqueceu
delas. Ele fez questão de mencionar as estéreis em Sua Palavra. Por que a
igreja faria o contrário? A Bíblia nos ensina a nos alegrarmos com os que se
alegram e chorarmos com os que choram (Romanos 12.15). O Dia dos Pais e o Dia
das Mães são excelentes ocasiões para pôr isso em prática. O pastor, além de
ressaltar a importância e alegria de receber a dádiva da paternidade e da
maternidade, pode mencionar que Deus se importa e cuida de quem não pode ter
filhos. Pode, inclusive, orar por eles e incentivar a igreja a fazer o mesmo.
Essas pequenas ações, com certeza, serão mais eficazes e compassivas do que
simplesmente não fazer nada.
Outra
maneira de amparar os inférteis no contexto da igreja local é desmarginalizar a
adoção. Pois, por mais que muitos encarem positivamente essa alternativa, ainda
há uma cultura que a relega a um nível inferior de parentalidade. Como se o
filho adotado não fosse filho de verdade. A versão evangélica desse pensamento
vai um pouco mais longe, chegando ao ponto de considerar a adoção como falta de
fé. Alguns casais, influenciados por essa cultura, preferem permanecer sem
filhos a adotar uma criança. E, com isso, estendem o luto por toda a vida. Essa
cultura funesta tem de ser erradicada. Mas isso só pode ser alcançado se houver
engajamento pastoral. Ou seja, é necessário expor o ensino bíblico acerca da
adoção e da soberania de Deus.
À
luz do que foi dito até aqui, creio que é importante lembrar que os inférteis
não estão apenas nas estatísticas, mas também nos bancos das igrejas. E, às
vezes, até no púlpito. Destarte, no Dia dos Pais, alegre-se com aqueles que têm
o privilégio de vivenciar a paternidade e a maternidade, mas separe um momento
para chorar com os que sofrem por não poder fazê-lo. Ore por eles e ofereça o
consolo das Escrituras Sagradas. Em suma, seja instrumento da consolação
divina.
Pr. Cremilson Meirelles
Muito bom o texto. Já vivi isso na prática e o que foi escrito transmitiu bem o sentimento daqueles que sofrem com a infertilidade.
ResponderExcluirSim. É a realidade de muitos. Obrigado pelo comentário.
ResponderExcluirGostei do texto, das ideias e das referências. Entretanto, quero deixar aqui uma possível contribuição. Entendo que, a infertilidade precisa ser encarada como uma oportunidade ministerial, para com os órgãos, lembrando que Deus transforma os que crêem em filhos por adoção. A compreensão da infertilidade, do eunuco, do estrangeiro e das viúvas vejo como uma grande oportunidade ministerial.
ResponderExcluirMuito bom texto reflexivo sobre o fato de a igreja valorizar mais esses ministérios, principalmente o dos inférteis.
Obrigado por compartilhar suas impressões sobre o texto.
ExcluirPara uma abordagem específica acerca da adoção, recomendo um texto disponível neste blog por meio do link abaixo.
https://pastorcremilson.blogspot.com/2021/08/a-infertilidade-e-adocao-de-criancas.html?m=1