Sinceramente,
não aguento mais as invencionices do mundo gospel. A cada dia surgem novos chavões,
novas práticas. O princípio Sola
Scriptura se tornou um palavrão, uma obscenidade, pois, se for observado, é
capaz de demolir toda a estrutura herética do evangelicalismo moderno. Por
isso, as verdades eternas têm sido relativizadas, para serem acomodadas ao
pensamento contemporâneo. Nesse ambiente, a eisegese[1]
e a descontextualização se tornaram regra de fé e prática. Destarte, frases,
como a que intitula este artigo, no imaginário popular, adquiriram peso igual
ou maior que a Sagrada Escritura.
O que nos distingue dos católicos, então? Temos Papas, ou seja, líderes considerados sagrados, infalíveis e quase
divinos. Tudo o que dizem é entendido como revelação divina, de modo que, tal
como ocorre no catolicismo, as igrejas funcionam como “fontes de revelação”. Os
novos modismos são abraçados sem questionamento algum. Se foi o “ungido do
Senhor” quem disse, automaticamente, a palavra, frase ou expressão é tomada
como verdade absoluta. Onde a Bíblia se encaixa nesse contexto? Será que ela se
tornou para nós o mesmo que para os incrédulos? Será que damos crédito somente
a algumas partes e a outras não? É... a coisa está feia. Só há uma solução:
retornar às Escrituras. Só elas podem dar a direção correta. Pensando assim,
pretendo, nas linhas abaixo, analisar a frase que dá nome a este artigo,
confrontando-a com a sã doutrina.
Inicialmente, ressalto que, dependendo
da forma como encaramos a frase em tela, seu caráter herético pode aumentar. Se
“o melhor de Deus” for entendido como algo que diz respeito ao ser divino, por
exemplo, um dos atributos do Senhor será jogado por terra, a saber: a
imutabilidade. Porquanto, o próprio Deus afirma, categoricamente, que não muda
(Malaquias 3.6). Tiago confirma essa asserção, asseverando que nEle “[...] não
há mudança, nem sombra de variação” (Tiago 1.17). Ora, se Ele não muda, seus
propósitos, sua maneira de pensar e sua natureza permanecem sempre os mesmos. Conforme
salienta Langston (1999, p. 32), Deus “é sempre o mesmo Espírito Pessoal
perfeitamente bom. Age sempre pelo mesmo motivo: santo amor”. Logo, nEle não há
pior nem melhor, só perfeição e santidade. Como afirmar, então, que “o melhor
de Deus está por vir”? Tudo o que Deus faz é muito bom (Gênesis 1.31). Não há
nada que Ele faça “mais ou menos”, cada ação divina é igualmente perfeita. Ao
contrário do que alguns pensam, Deus não era mau no Antigo Testamento e, de
repente, ficou bonzinho no Novo. Ele é perfeito e ponto.
Ainda que as pessoas sejam diferentes,
imperfeitas e extremamente mutáveis, podendo, inclusive, variar a intensidade
de sua relação com o Senhor, Ele, por outro lado, se mantém imutável também em
seus relacionamentos. Isto fica patente em Êxodo 3.14, onde o Deus de Israel
declara a Moisés: “Eu Sou o que Sou”. De acordo com Berkhof (1990), essa
afirmação destaca a imutabilidade divina em Sua relação com Seu povo. “O nome
contém a segurança de que Deus será para o povo dos dias de Moisés o que foi
para os seus pais – Abraão, Isaque e Jacó” (op. cit., p. 41). Encarando dessa
maneira, é impossível concluir que algum dia Deus realizou algo ruim ou não
muito bom em seu relacionamento com seus filhos, pois, se assim fosse, Ele
teria mudado; o que seria um completo absurdo. Tudo que o que Deus faz é muito
bom. Afinal, Ele é “o mesmo ontem, e hoje e eternamente” (Hebreus 13.8).
Não obstante, alguém pode objetar contra
essa argumentação, dizendo que a referida frase está relacionada à perspectiva
humana, e não à divina. Portanto, não se trataria de uma heresia, mas seria o
resultado da limitação do homem, que, por não ser capaz de compreender Deus,
expressa Sua ação a partir de um discurso antrópico[2] e
analógico. Por conseguinte, sua percepção da ação divina é baseada em sua
experiência temporal, e não nos atributos do Todo-poderoso. Olhando por esse
prisma, o chavão “o melhor de Deus está por vir” seria apenas a expressão da
certeza de que algo, considerado melhor do que tudo o que o indivíduo já vivenciou,
ainda há de ser provido por Deus.
A bem da verdade, temos de admitir que esse
raciocínio é bastante coerente. Até porque, cremos que passar a eternidade com
Deus será uma experiência infinitamente melhor que a vida neste mundo. No
entanto, essa argumentação também esbarra em um problema, porque, mesmo olhando
sob a lente da imperfeição humana, quando pensamos na atitude divina mais
positiva em relação à humanidade, de modo nenhum podemos entender que se trata
de um evento futuro. Não dá para pensar em algo melhor ou mais benéfico que a
encarnação do Cristo. Foi por meio dela que o sacrifício perfeito foi oferecido
e a justiça divina foi saciada, proporcionando-nos a oportunidade de, mediante
a fé, sermos salvos da condenação do pecado e inseridos na família de Deus. A
vida eterna não seria possível sem a encarnação do Verbo.
Visto isso, a conclusão inevitável é que
o melhor de Deus não está por vir, mas já veio. O melhor de Deus, se é que
podemos usar essa expressão, é Cristo. Ele é o mistério que estava oculto
(Colossenses 1.24-27), é o perfeito sumo sacerdote (Hebreus 4.15), o único
cumpridor de toda a Lei. “Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada
do que foi feito se fez” (João 1.3). Sua encarnação proporcionou o anúncio de
boas novas, Sua morte e ressurreição. Não há nada, e nem ninguém melhor que
Cristo. Sua obra redentora é que torna possível o que vivemos hoje e o que está
por vir.
Mantendo essa linha, “o melhor de Deus”,
em hipótese alguma, poderia ser a ausência de tribulação neste tempo; haja
vista que a Bíblia nunca nos prometeu tal coisa. Na verdade, o próprio Cristo
sublinhou: “no mundo tereis aflições” (João 16.33). O gozo prometido será
desfrutado no porvir, quando Deus limpará de nossos olhos toda lágrima (Apocalipse
7.17). Mesmo assim, podemos ter a certeza de que “o melhor de Deus” está
conosco todos os dias (Mateus 28.20), ajudando-nos a enfrentar as adversidades
inerentes à vida cristã.
Finalmente, como inúmeros outros
chavões, a frase “o melhor de Deus está por vir” é mais um instrumento da
propagação da teologia da prosperidade. Isto é, mais um erro teológico do
neopentecolismo, que tem sido abraçado por diversas igrejas históricas. Porque, embora
pareça inofensiva, a expressão em pauta incute na cabeça das pessoas a ideia de
que a isenção de problemas neste tempo é o fim último da fé cristã, de que o
que Deus fez até agora não foi tão bom, e, o pior de tudo, que Cristo não é
suficiente, ou seja, é necessário algo melhor.
Está mais do que na hora de abrirmos os
olhos e nos voltarmos para as Escrituras. Elas devem ser nossa referência, e
não as músicas evangélicas. Precisamos ver Cristo como o centro da nossa vida,
e não nossos desejos. Pois, só o “melhor de Deus” pode combater o “pior do
homem”. Este último, inclusive, também não está por vir, mas já veio por
intermédio de Adão. É o pecado. A enfermidade que assola toda a humanidade. Só
Cristo pode curá-la. Não há dúvida: Ele é o melhor de Deus. Então, abandone os
chavões e siga-O. Deus o abençoe!
Pr.
Cremilson Meirelles
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BERKHOF,
Louis. Teologia Sistemática. Traduzido
por Odayr Olivetti. Campinas: Luz
para o caminho. 1990.
ERICKSON,
Millard J. Introdução à Teologia
Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.
LANGSTON,
A.B. Esboço de Teologia Sistemática.
3.ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1999.
SCHULER, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia. Porto Alegre E
Canoas: Concórdia Editora & Editora da Ulbra, 2002.
O MELHOR DE DEUS ESTÁ POR VIR?
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