Sermão pregado na PIB em Manoel Corrêa, Cabo Frio.
Texto Base: Mateus 25.31-46
Ao ler esse texto, dificilmente pensamos a respeito
da razão pela qual o pastor aparta dos bodes as ovelhas. Na verdade, a maioria
das pessoas nem sabe a diferença entre bode e ovelha. É claro, entretanto, que
não tenho a intenção de tratar dos detalhes que diferenciam um do outro.
Contudo, é importante ressaltar que a ovelha é a fêmea do carneiro e o bode é o
macho da cabra. Embora se pareçam, trata-se de espécies distintas. Com base
nessa informação, podemos deduzir o porquê de separar as ovelhas dos
bodes.
Ora, já que pertencem a espécies diferentes, o
resultado do cruzamento dos dois seria um animal híbrido, que não poderia se
reproduzir. Além disso, experiência tem demonstrado que o mais comum é que
esses filhotes nasçam mortos. A partir dessa observação, fica mais fácil
compreender a razão da separação: nenhum pastor gostaria de ter ovelhas prenhas
gerando filhotes natimortos.
A despeito desses aspectos, na comparação utilizada
por Cristo os homens são identificados com base em seu relacionamento com Deus
e com o próximo. As realizações elencadas pelo Mestre identificam as ovelhas e
denunciam os bodes, evidenciando que, assim como bodes e ovelhas, há duas
espécies de seres humanos: filhos de Deus e criaturas de Deus. Seguindo esse
raciocínio, pretendo, neste sermão, pontuar as atitudes que caracterizam a
filiação divina, ou seja, que mostram quem, de fato, são as ovelhas. Chamarei
esses aspectos de “coisas de ovelha”.
1 –
AJUDAR OS NECESSITADOS
Ao proferir seu discurso escatológico, Jesus mostra que há lugar no Seu Reino
para aqueles que não fizeram coisas consideradas extraordinárias pelos homens,
tais como cantar, pregar, ou qualquer outra atividade realizada no interior do
templo. As realizações que o mestre atribui aos que estão à Sua direita nada
têm a ver com as atividades realizadas pelos soberbos de Mateus 7.22,23, que se
gabam de suas obras. Cristo não exalta Suas ovelhas por terem profetizado,
expulsado demônio ou feito maravilhas. Ele apenas destaca que seus grandiosos
feitos eram praticados fora das dependências do templo, e dos olhares dos
religiosos. Isto é, ao contrário dos bodes, elas se preocuparam em viver o
cristianismo genuíno, e não apenas momentos no templo.
Repare que as ovelhas são inconscientes de terem
realizado boas obras. Isto porque, elas não fizeram com a intenção de obter o
reconhecimento humano e nem ganhar pontos com Deus. Foi exatamente isso que
tornou as obras tão boas: sua espontaneidade. Tanto, que elas se espantaram. Ou
seja, fizeram o que fizeram por amor ao próximo, diferente dos fariseus, que
davam esmolas para serem vistos pelos homens (Mateus 23.5).
Os que estarão à direita de Cristo, naturalmente,
ajudam os necessitados, pois não conseguem ver pessoas padecendo, privadas das
necessidades básicas, e não atendê-las. É disso que Jesus fala. Ele ressalta
que as necessidades básicas do ser humano: fome, sede e vestuário; foram
integralmente supridas por suas ovelhas. Com isso, redireciona o foco,
tirando-o do “eu” e apontando para Deus e o próximo. Porque, ao fazer bem ao
outro, as ovelhas mostram seu amor por Jesus.
No dia do juízo, cada pessoa saberá imediatamente
se é salva ou condenada. Naquela ocasião, o Rei dos reis destacará o que
fizemos em nossa vida e conduta diárias, a fim de mostrar que nas pequenas
coisas fornecemos prova de que somos verdadeiros discípulos do Senhor. Por
isso, nos chamará de benditos. Isto nos leva a concluir que a justiça que
Cristo nos imputou mediante a fé (Romanos 5.1) precisa ser comunicada, isto é,
demonstrada através de atitudes. Afinal, como diz a Bíblia, “a fé, se não tiver
as obras, é morta em si mesma” (Tiago 2.17).
Precisamos evidenciar que somos ovelhas através das
obras. Temos de ajudar os que perecem, os que passam fome, os que não têm o que
vestir. Até porque, “aquele que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado”
(Tiago 4.17). Não podemos fechar os olhos para os que sofrem. Talvez, haja
pessoas próximas de nós precisando dos itens básicos mencionados por Cristo.
Quem deve ajudar? Nós. Eu e Você. Não transfira a responsabilidade. Seja
ovelha. Quem não ajuda porque não quer, das duas uma: ou é bode ou ainda não
entendeu o que significa ser servo do Senhor.
2 –
ACOLHER O DIFERENTE
Na cultura judaica, a hospitalidade era um dever
sagrado. Receber um hóspede era uma honra disputada. Isso facilitava bastante
as viagens. Inclusive, de acordo com a tradição judaica, o forasteiro podia
desfrutar da hospitalidade por três dias. Depois disso, deveria se retirar e
seguir viagem.
Não obstante, após o período intertestamentário,
por terem sofrido tanto com a opressão estrangeira, os judeus passaram a ver os
gentios com desconfiança. Por isso, ao falar sobre a hospitalidade, Jesus usa o
termo Xenós, que significa estranho, estrangeiro, e que nas versões
latinas do Novo Testamento foi traduzido pelo latim Hostis, palavra que
significa inimigo, o que reflete a postura judaica em relação aos estrangeiros,
vistos por eles como inimigos. Isto porque, adoravam outros deuses e observavam
costumes diferentes. Agindo assim, os judeus contrariavam a Lei. Porquanto, em
Deuteronômio 10.19, o próprio Deus disse: “amareis o estrangeiro, pois fostes
estrangeiros na terra do Egito”.
No texto em pauta, Jesus faz alusão à
hospitalidade, prática tão venerada na história judaica, ressaltando a atitude
das ovelhas, que receberam os estrangeiros, diferente dos hipócritas, que
afirmavam servir a Deus, mas desprezavam o próximo. Mais uma vez os que estão à
sua direita se espantam. Isto porque, tudo o que fizeram foi espontâneo. Jesus
tocou na ferida de seus ouvintes. Ele afirmou que sua igreja deveria acolher
todo o tipo de gente. Para a glória de Deus, o sermão surtiu efeito. A igreja
primitiva se tornou uma comunidade acolhedora, recebendo tanto judeus como
gentios, vencendo o preconceito. Assim, rapidamente, os gentios se tornaram maioria.
Apesar disso, com o passar do tempo, o problema da
discriminação voltou. A igreja, que outrora foi acolhedora, passou a ser
discriminadora. O preconceito entre brancos e negros separou os cristãos
durante muitos anos. Nos Estados Unidos, por exemplo, além de existir banheiros
específicos para negros, havia também igrejas separadas para negros. O pior de
tudo é que isso ainda existe. Recentemente, em 2011, uma mulher foi
disciplinada em sua igreja porque levou o namorado negro ao culto.
Se isso nos espanta, deveríamos olhar para nós
mesmos, pois, às vezes, com nossos grupos fechados, com nossas panelas, criamos
barreiras para a integração de quem chega de fora. Não conversamos com os
visitantes, só com nossos amiguinhos. Isso afasta as pessoas. Achamos que
integrar as pessoas é tarefa exclusiva do pastor, mas não é. Quando Jesus fala
sobre isso, não separa os pastores das ovelhas. Todos são apresentados no mesmo
nível. Isto é, Ele ressalta que o acolhimento é responsabilidade de todos, e
não só dos líderes religiosos.
Às vezes, estamos tão preocupados com nossa própria
vida, com as bênçãos que queremos receber, que nos esquecemos de acolher o
outro. Queremos ser acolhidos, mas não queremos acolher. Por conseguinte, surge
uma multidão de pessoas carentes, que só encontram o suprimento de sua carência
em uma única pessoa: o pastor. Isso é muito ruim, porque a igreja deveria ser
uma comunidade terapêutica, onde todos se preocupassem uns com os outros, e não
apenas consigo mesmo. Não basta somente cumprimentar as pessoas, é necessário
dar atenção, ouvi-las, se interessar, se preocupar com elas, ainda que não
façam parte do nosso grupinho.
Tem tanta gente sedenta por atenção, por
igualdade... Não podemos rejeitar ninguém. Gays, prostitutas, traficantes, todos
devem ser bem-vindos e tratados da mesma forma que os demais.
3 –
VISITAR
Esse
ponto é um dos mais mal entendidos na igreja moderna. Isto porque, há uma
tendência de transferir essa responsabilidade para os pastores. Entretanto,
Jesus se dirige a todos os que estão à sua direita. Ele não faz distinção entre
pastores, diáconos e ovelhas. Todos são ovelhas aos olhos do Todo-poderoso.
Portanto, a todos cabe a responsabilidade de visitar. Afinal de contas, a
visita é a expressão da comunhão. É a atitude de quem tem tudo em comum. Há
momentos em que no templo não há comunhão. As pessoas chegam atrasadas para o
culto, saem mais cedo, e não falam com ninguém. Contudo, nos lares a comunhão é
possível.
Se negligenciarmos esse aspecto da nossa espiritualidade, estaremos agindo como
os fariseus, que viviam uma religiosidade vazia, centralizada no templo, mas
não punham em prática a essência das Escrituras. Precisamos tirar o foco do
templo e entender que temos de ser igreja dentro e fora do templo. Se somos
ovelhas, temos de agir como um rebanho e permanecermos juntos.
O problema é que acabamos terceirizando essa tarefa, achando que, se damos o
dízimo, o pastor tem o deve de realizar aquilo que nos cabe, nos eximindo das
responsabilidades. Assim, começamos a supervalorizar a visita pastoral. Até
porque, se como pensam alguns, visitar é tarefa exclusiva do pastor, a visita
dele se torna mais importante que a de qualquer outro. Pensando assim, muitos
ficam choramingando querendo receber visitas pastorais. É claro que isso é um
absurdo! Não há visita mais importante do que a outra. Todos somos iguais. O
pastor não é um super-homem, é humano. Toda ovelha deve visitar, e toda visita
deve ser vista igualmente. Haja vista que o pastor sozinho jamais dará conta de
visitar todos sempre.
Passamos o tempo todo cumprindo ritos, buscando bênçãos, querendo ser visitados
pelo pastor (como se o pastor fosse um deus) e esquecemos de fazer a nossa
parte. Ser igreja é estar junto nas casas também. É visitar os enfermos, os
encarcerados, e todos aqueles que padecem. Às vezes, usamos uma série de
justificativas para não visitar: “não aguento vê-lo nessa situação”, “não sei o
que falar”, “não tenho tempo”, etc.
É necessário romper as barreiras e cumprir nossa missão. Vamos visitar uns aos
outros. Visitemos os novos convertidos para que possam se firmar na fé.
Visitemos os enfermos a fim de levar um pouco de alegria aos seus corações.
Porque, se estivéssemos no lugar deles, era exatamente isso que gostaríamos que
nos fizessem. Lembremos de Mateus 7.12: “Portanto, tudo o que vós quereis que
os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas”.
CONCLUSÃO
Não dá para dizer que somos ovelhas enquanto agimos
como bodes, negligenciando nosso dever maior de amar a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a nós mesmos. Isso é hipocrisia! É autoengano! É o que
os bodes fazem. Enganam a si mesmos. Acham que são Filhos de Deus, mas não
fazem a vontade do Pai. Seguem suas vidas achando que estão bem em relação a
Deus, mas trilham o caminho espaçoso que conduz à perdição.
Se somos ovelhas, devemos ajudar os necessitados,
acolher o diferente, e visitar as pessoas. Terceirizar isso é reconhecer que
não temos a natureza adequada para realizar tais tarefas; é afirmar que somos
bodes; indignos da morada celeste. “Porque aquele que não ama seu irmão, a quem
vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não
vê” (1João 4.20). Portanto, amemos as pessoas e não somente “o ser amado por
elas”; tiremos o foco do “eu”, e olhemos mais para eles: Deus e o próximo.
Pr. Cremilson Meirelles
COISAS DE OVELHA
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
on
21:44
Rating:
Amém Deus no controle de tudo amém
ResponderExcluir