Na atualidade, o grupo ao qual chamamos de igreja,
tem sido duramente criticado. Até aí não encontramos novidade, pois a
comunidade cristã sempre foi alvo de críticas. O que precisamos refletir,
entretanto, é se somos ou não culpados daquilo que nos acusam. Essa autoanálise,
inclusive, deveria ocorrer com frequência, pois, como afirma o apóstolo Paulo [...]
“se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados” (1Co 11.31). Contudo,
essa é uma tarefa que não gostamos de realizar, preferimos apontar os erros dos
outros a reconhecer os nossos. Por isso, a fim de corrigir essa visão e
refletir sobre aspectos que precisam ser revistos, destacaremos, com base no
texto de Atos 3.1-10, alguns pontos que nós, como igreja do Senhor, precisamos,
com urgência, por em prática.
Pois bem. Conquanto inúmeras mensagens sobre o texto
em pauta salientem as características de Pedro, João, do coxo, e, alguns,
preguem até acerca da porta Formosa, quero, primeiramente, sublinhar a
relevância da atitude daqueles que transportavam o coxo. Segundo o texto, havia
mais de uma pessoa que ajudava aquele homem: “e era trazido um homem que desde
o ventre de sua mãe era coxo, o qual todos os dias punham à porta do templo, chamada Formosa, para pedir esmola aos
que entravam” (At 3.2). Sem dúvida, o escritor não teria utilizado um termo
plural se estivesse se referindo a um indivíduo. Ainda que, a princípio, pareça
um detalhe sem importância, o caráter coletivo da ajuda prestada se reveste de
singularidade quando observamos o contexto. Uma vez que, naquela época, os
enfermos eram considerados impuros, tocá-los significava contaminar-se com sua
impureza. Ao se tornar impuro, o indivíduo não poderia adentrar o templo sem
antes cumprir o tempo e observar os ritos necessários à purificação. Assim, tal
como o coxo, seus benfeitores ficavam privados de adentrar o santuário. Isto é,
aqueles homens abriram mão do exercício diário de sua fé simplesmente para
ajudar um necessitado. Mesmo sem serem cristãos, nos dão um tremendo exemplo do
que é, de fato, amar o próximo.
O judeu da época costumava ir ao templo para oração
três vezes ao dia, nas horas terceira (09:00h), sexta (12:00h) e nona (15:00h).
Muitos passavam por aquele homem, sobretudo os fariseus, e davam-lhe esmolas.
No entanto, ninguém ousava tocá-lo, nem ao menos olhavam para ele. O homem já
fazia parte da paisagem. Ele era necessário para que a justiça farisaica fosse
evidenciada. Por conta disso, a maioria preferia fazer a manutenção de sua
condição de pedinte. Ninguém lhe dava ou fazia o suficiente para tirar-lhe
daquela situação. Não era interessante. Ele era apenas um instrumento para
reafirmação da santidade farisaica. Uma multidão ia e voltava das reuniões de
oração no templo, um lugar onde era pregado o amor, mas, infelizmente, não
vivia esse amor. Somente um grupo de anônimos foi capaz de desistir dessa
santidade aparente e abraçar a causa de Deus. Para eles, o coxo não era apenas
“o outro”, ele era “o próximo”. Alguém tão carente da Graça de Deus quanto
eles. Ainda que não fossem cultuar, faziam exatamente o que Jesus mandava.
Não há como não refletir diante dessa cena. Não há
como não nos questionarmos: a que grupo pertencemos? Àquele que sustenta uma
religiosidade egoísta e ritualista, ou ao grupo que é capaz de negar a si mesmo
para ajudar o próximo? Será que estamos dispostos a gastarmos tempo com as
pessoas? A tratá-las com amor? Será que participar de um culto se tornou um fim
em si mesmo? Será que, por se multiplicar a iniquidade, nosso amor se esfriou
(Mt 24.12)? Gostamos de usar esse prognóstico de Jesus para falarmos dos
outros, mas penso que muitos de nós estamos enquadrados nele.
É triste, mas, muitas vezes, nos reunimos no templo,
mas não agimos como templo do Espírito Santo, não acolhemos os cansados e
sobrecarregados, excluímos as pessoas com nossas panelinhas, nossos grupinhos
fechados, quando, na verdade, deveríamos incluí-las. Às vezes, parecemos mais
com os fariseus do que com os carregadores do coxo. Prendemo-nos a um
ritualismo exacerbado, confundindo a igreja com o templo, esquecendo-nos que a
igreja é constituída de pessoas, não de tijolos e cimento. Se o templo desabar,
a igreja continua. O templo é o lugar onde a igreja se reúne, mas esta não se
limita às paredes daquele. Ir ao templo é uma pequena parte da nossa vida
cristã, cerca de 4% de nosso tempo. O exercício da fé em Cristo, por outro
lado, deve ser diário e constante. Não podemos encenar um papel diante do
público, precisamos viver aquilo que professamos. Devemos fazer do lado de fora
aquilo que nos propusemos a fazer do lado de dentro. Temos de tratar as
pessoas com igualdade, ultrapassando os limites da ritualidade.
Foi exatamente isso que fizeram os amigos do coxo e
a dupla de apóstolos, Pedro e João. Estes últimos romperam as barreiras
sociais, considerando-o como igual. Isto fica patente quando observamos o
contexto cultural em que se desenrola a cena narrada por Lucas. Porquanto,
desde o cativeiro babilônico os escravos não olhavam nos olhos de seus senhores
(Sl 123.2), fitavam apenas as mãos. O mesmo ocorria com os desprezados
socialmente. Tanto que, como mostra a narrativa, Pedro teve de dizer ao homem
que olhasse para eles. Acredito, inclusive, que as pessoas nem olhavam para esses
párias. Eles eram invisíveis. Não muito diferente de hoje. Contudo, contrariando
essa cultura discriminatória, Pedro e João não só olharam para o coxo, como
também pediram que ele olhasse para eles (At 3.4). Com essa atitude, mostraram
ao homem que o viam como igual, como um ser humano carente da Graça de Deus.
Não obstante, embora o texto ressalte a cura divina,
o que aquele homem realmente precisava era do resultado da cura, a saber,
dignidade. Ele queria fazer parte do grupo, desejava ser aceito, precisava de
amor. Por anos a fio ansiou pelo dia em que adentraria o templo. Assim, uma vez
curado, a primeira coisa que fez foi dirigir-se ao santuário (At 3.8), saltando
e louvando a Deus. Por mais que fosse um lugar de rejeição, de hipocrisia, era
lá que ele queria estar. Assim somos nós, ainda que nossas mágoas e decepções
venham das relações humanas, não queremos deixá-las, porque precisamos uns dos
outros. Alguém já afirmou que o ser humano é outro-dependente (quem depende do
outro). Se não podemos negar a coletividade por sermos humanos, como cristãos
temos de valorizá-la ainda mais. Até porque, não existe Cristianismo sem o
próximo. A própria palavra empregada por Jesus para nomear o ajuntamento
cristão (igreja), é, na sua origem, um termo plural (҆eklesia), que todos nós sabemos o significado (chamados para fora).
Isto é, não existe igreja de um. Até porque, esta é um ambiente comunitário,
tal como relatado em Atos 2. Não podemos, com base nos defeitos da igreja, nos afastar
dela. Temos de reconhecer que, tal como o coxo, estávamos enfermos
espiritualmente, caminhávamos para o inferno. Porém, em dado momento, alguém,
que decidira ser igreja, nos mostrou o amor de Jesus Cristo. O mais
interessante disso tudo, é que Pedro e João, antes de se depararem com o homem,
se dirigiam ao templo para orar (At 3.1). Isto leva-nos a uma conclusão óbvia:
ainda que dentro do templo haja hipócritas, discriminadores, legalistas, há
também homens e mulheres de Deus que procuram viver o Evangelho. Devíamos olhar
mais para essas pessoas, como fez o coxo. O problema é que focamos mais os “fariseus”
do que os servos.
É claro, no entanto, que isso não nos exime de nos
empenharmos para fazer da igreja um lugar melhor, onde a inclusão e o amor
predominem. Pois, só assim atenderemos a maior necessidade do indivíduo, a
saber, de unir-se ao outro. Este, na verdade, sempre foi o propósito divino.
Desde o princípio Ele deixou claro que sua meta era tornar “um” aquilo que fora
dividido. Esse retorno à unidade é incentivado ao longo de toda a Escritura,
seja no ingresso na vida conjugal, ou na inserção no corpo de Cristo, o alvo é
sempre a unidade. Porque, é exatamente disso que precisamos. A tão almejada
autossuficiência é utópica. O Ser humano sempre busca associações. Até mesmo
aqueles que abandonam a congregação (Hb 10.25) acabam se associando a outros
que defendem as mesmas teses. Enfim, enxergar os problemas da igreja não deve
nos levar a nos voltarmos contra ela. Ao contrário, essa constatação deve nos
impulsionar a trabalharmos para fazermos uma igreja diferente, mais próxima do
ideal promulgado por Jesus. O que se espera da igreja de Cristo? Que assuma o
papel que Jesus lhe confiou, agregando em vez de segregar, amando ao invés de
odiar, compreendendo em vez de discriminar, ajudando ao invés de apenas
contemplar.
Pr.
Cremilson Meirelles
O QUE SE ESPERA DA IGREJA DE CRISTO? - Uma análise de Atos 3.1-10
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
on
17:49
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Parabéns pr Cremilson! Excelente post!
ResponderExcluirObrigado. Continue acessando. Há diversos artigos e textos pastorais no blog. Navegue através das abas na parte superior da página.
ExcluirMeu pastor, muito obrigado por esse texto de atos 3:1-10, ele é muito edificante, ele atendeu com todas as letras o que eu buscava, muito obrigado!
ResponderExcluirQue bom! Alegro-me em poder contribuir para a reflexão teológica e edificação de vidas.
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