A pós-modernidade ou
modernidade tardia trouxe consigo uma série de alterações no campo religioso. A
sociedade se tornou multirreligiosa e pluricultural. Tal contexto favoreceu a
emergência de inúmeros grupos religiosos. Como conseqüência, pelo menos no Ocidente,
o pertencimento religioso foi dissociado da cultura, o que favoreceu, em parte,
a pregação do Evangelho. Contudo, em função dessa pluralidade, os alicerces da
ortodoxia cristã foram abalados, porquanto um novo fenômeno emergiu: a
privatização da religião. Isto é, o indivíduo passou a construir sua própria
identidade religiosa. Por conta disso, a religiosidade moderna se tornou
essencialmente emocional. As pessoas passaram a buscar a filiação ao grupo
religioso no qual se sentissem bem. A identificação com o credo religioso deixou
de ser importante, o que faz a diferença na atualidade é o que “eu sinto”. Por
conta disso, a migração religiosa se tornou tão comum. Há “evangélicos” que se
tornam espíritas, budistas, testemunhas de Jeová, com grande facilidade,
simplesmente porque lhes deram mais atenção.
É perfeitamente
compreensível que, em um ambiente onde a primazia pertence ao indivíduo, as
pessoas sintam necessidade da coletividade. Isto porque há uma lacuna no
coração do homem pós-moderno que precisa ser preenchida, primeiramente por Deus
e depois pelo próximo. Vemos as ruas das metrópoles abarrotadas de pessoas que
não se conhecem. Muita gente reunida em um mesmo lugar, mas sem se relacionar.
Tal ambiente torna possível estar solitário no meio de uma multidão. Todavia,
ninguém tem tempo para o outro, só para si. Até porque, precisamos trabalhar,
estudar e nos divertir, não há tempo para ouvir o próximo, é cada um por si.
Isso gera angústia, insegurança, depressão.
Infelizmente, um
cenário idêntico pode ser encontrado em algumas igrejas, as quais, por
alcançarem um grande número de membros, deixam o aspecto comunitário esmaecido.
A igreja acaba se tornando um reflexo da sociedade e não reflete a luz de
Cristo. As pessoas vão ao templo apenas para prestar seu culto individual ou
mesmo para, meramente, assistir o culto e, logo em seguida, deixam o local sem
falar com ninguém.
Esse ambiente, além de
viabilizar a indiferença para com o outro, se torna o lugar favorito de quem
busca o anonimato. Estes procuram igrejas grandes com a finalidade de sumir na
multidão, pois, como frutos da pós-modernidade, não querem ser cobrados,
pretendem viver o “seu” cristianismo, observando práticas que contrariam a
Bíblia, mas agradam o seu ego. Para essas pessoas, mudar de denominação é
bastante comum, visto que não possuem uma identidade denominacional. Não
obstante, se autodefinem como evangélicas, participam dos cultos, mas exercem
uma série de outras práticas religiosas fora da igreja e possuem crenças
incompatíveis com a denominação que se encontram.
Nesse mesmo contexto,
há quem contemple os problemas, mas ao invés de se colocar nas mãos de Deus
como instrumento para solucioná-los, prefere abandonar a igreja e viver um
cristianismo independente. Embora fechemos os olhos para isso, o grupo dos que
buscam essa “autonomia religiosa” tem crescido bastante. Nos dias de hoje,
existe um grande número de indivíduos que se dizem cristãos, porém não
freqüentam igrejas. Estes ocupam seu tempo criticando as pessoas que estão lá,
a instituição e, às vezes, até a Bíblia. Em função dessa postura, se consideram
mais santos do que aqueles que congregam, atacam intensamente o cristianismo
institucionalizado e vivem uma religiosidade particular, que é construída pelo
próprio indivíduo, tal como a que foi mencionada anteriormente. Sua postura é
semelhante a de alguém que procura um restaurante self service, ou seja, diante
das ofertas religiosas expostas no mundo atual, seleciona os elementos que mais
agradam. Daí surge uma fé mutante, onde coexistem elementos das mais variadas
denominações evangélicas e, até mesmo, de outras religiões. Tais pessoas
demonstram aversão às igrejas, de modo que não concebem a idéia de congregar. O
pior de tudo é que muitos destes também se autodenominam “evangélicos”.
Apesar disso, é
necessário frisar que viver um “cristianismo independente” é algo impossível.
Porquanto, ser cristão pressupõe dependência. O genuíno seguidor de Cristo deve
ser submisso e dependente de Deus, além de depender também de seu próximo. Até porque não há como ser cristão sem o
próximo. É ele que eu tenho que amar, é a ele que eu preciso pregar, é com ele
que eu devo cultuar e celebrar a ceia do Senhor. A própria Igreja é apresentada
por Paulo como um corpo, o que indica a existência de vários membros. O termo
Igreja, no grego (Ekklesia), nos remete a uma reunião, isto é
um ajuntamento de pessoas, realizada pelos gregos, com o fito de resolverem
questões comuns. Portanto, um cristianismo autônomo é, na verdade, uma heresia.
A despeito dos crentes
autônomos e cristãos individualistas, há na igreja pessoas que se envolvem
efetivamente no trabalho eclesiástico, cristãos ativos, dedicados, cujo prazer
é trabalhar para Deus. Estes, embora trabalhem bastante, representam um
percentual pequeno (em torno de 20%). Isso faz com que as mesmas pessoas façam
praticamente tudo, sobrecarregando-as, enquanto a maioria descansa nos bancos.
Com o tempo, em função do trabalho excessivo, alguns acabam realizando a obra
com pesar e não com amor.
Entretanto, o que deveria nos incomodar mais é
o fato de que o grande volume de trabalho que há em nossas igrejas, além de
impor um jugo pesado sobre os poucos obreiros que se tem, normalmente diz
respeito a atividades para a igreja, e não para os ímpios. Na verdade, temos
vivido fechados em nossos templos, pensando em congressos e séries de
conferências, convidando as pessoas a nos visitarem. Há igrejas, inclusive, que
procuram inserir uma série de alterações litúrgicas, comportamentais e, até
mesmo, arquitetônicas, com o fito de atrair as pessoas para dentro. Todavia,
quando pensamos na natureza da atividade missionária, que compete à igreja,
vemos que, desde o princípio, ela foi direcionada aos que estão fora. Por
exemplo: quando Deus chamou Abraão para ser o pai de uma grande nação, o que
constituiu uma ação missionária de Deus, Ele mandou que Abraão saísse do meio
de sua parentela. Da mesma forma, a Igreja primitiva não ficava apenas
convidando as pessoas para visitarem um templo (até porque as igrejas eram nas
casas), mas seus membros saíam e pregavam; o próprio Jesus exercia seu
ministério mais nas ruas do que nas sinagogas.
O que aconteceu
conosco? Será que nos acostumamos aos condicionadores de ar, aos bancos
confortáveis, aos projetores de multimídia, aos instrumentos musicais e
desistimos de sair? Por que, em muitas igrejas, quando há atividades
evangelísticas poucos crentes aparecem, mas quando há programações especiais o
templo fica lotado de cristãos? Onde estão essas pessoas? Por que vemos crentes
discutindo sobre futebol, mas poucos comentando um texto bíblico? Sabe, o que
parece é que tem ocorrido uma terceirização do serviço cristão. As pessoas vão
à igreja como patrões, querendo desfrutar do espetáculo que será proporcionado pelos
crentes ativos e sobrecarregados. Pensando assim, muitos contribuem para
missões, porque não querem realizá-las. Isto é, pagam para fazer o que elas não
querem realizar.
É necessário que nós,
muito mais do que criarmos cargos excessivos e nos prendermos a modelos
antigos, pensemos no indivíduo. Não só no que está fora, como também no que
está dentro, pois a sobrecarga pode ser extremamente maléfica para a obra.
Precisamos amar as pessoas e ensiná-las a amar a Deus e a sua obra. A igreja
precisa compreender que há muito mais trabalho fora dela do que dentro. Não
podemos criar ambientes que favoreçam o anonimato, pois assim contribuiremos
para a privatização da religião. Precisamos viver um cristianismo coletivo, que
valorize o indivíduo, mas o insira no grupo.
No entanto, para
combater essa religião privatizada, é preciso defendermos a identidade
religiosa. Necessitamos de crentes batistas em nossas igrejas. Quando não há
identidade, o que prevalece é a interpretação individual, o que promove
desunião. É importante ensinarmos nossas doutrinas e deixarmos de lado a
omissão. “Não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido” (Atos 4.20).
Devemos assumir o que somos. Temos de pregar que só Jesus salva e, uma vez
salvo, salvo para sempre. Precisamos explicar detalhadamente às ovelhas por que
em nossas igrejas não falamos línguas estranhas,
e por que não há “revelações” extra-bíblicas. Temos de dizer claramente que não
há maldições hereditárias, que as palavras não possuem poderes místicos, como
pregam os pentecostais, e que não haverá nenhum arrebatamento secreto, como
defendem os pré-milenistas dispensacionalistas. Em suma, precisamos de um
retorno à ortodoxia.
Pr. Cremilson Meirelles
OS CRENTES E A PÓS-MODERNIDADE
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
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