Uma frase bastante conhecida diz o seguinte: “muita oração muito poder,
pouca oração pouco poder”. Diante de uma assertiva dessa natureza, muitos, com
suas testas franzidas, imediatamente declaram: “é verdade!” Se porventura
alguém ousar contrariá-la, é como se estivesse contrariando a Sagrada
Escritura, o que confere, indiretamente, a tais afirmações um peso quase
canônico.
A despeito da canonicidade concedida
aos jargões evangélicos, convém questionar a teologia presente na frase mencionada,
visto que carece de fundamentação. Até porque, oração e poder são palavras que
não combinam. Jesus nunca associou oração à aquisição de poder. Pelo contrário,
todas as vezes em que fala sobre poder, este é concedido graciosamente, não
mediante oração. Por exemplo, quando os doze são enviados, em Lucas 9.1-6, é
Jesus quem lhes dá poder, isto é, os discípulos não o adquirem por meio da
oração. Em outra ocasião, quando se cumpre a promessa registrada pelo profeta
Joel acerca do derramamento do Espírito Santo, Jesus não manda que os
discípulos orem para que recebam poder, apenas que fiquem em Jerusalém.
Alguém pode retrucar: - Ah, mas lá
em Atos 16.25,26 a Bíblia diz que a oração de Paulo e Silas provocou um
terremoto. Entretanto, o que aconteceu naquele episódio foi que Deus agiu a fim
de resgatar seus servos. Até porque, no salmo 60.11, o autor sacro declara:
“uma coisa disse Deus, duas vezes a ouvi: que o poder pertence a Deus”. Isto é,
o crente ora, mas quem age livremente é Deus. A oração não é alavanca que move
o coração de Deus. Ele age como Ele quer na hora que Ele quer. Até na
distribuição dos dons, que são considerados, por muitos, como manifestações de
poder, Deus age como quer: “mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas
coisas, repartindo particularmente a cada um como quer” (1Co 12.11). A própria
salvação é concedida pela graça (Ef 2.8,9).
Mas então, o que é a oração? Sem dúvida, não é um instrumento para
aquisição de poder. Em Mateus 21.22, Jesus afirma: “e tudo que pedirdes em
oração, crendo, o recebereis”. Na oração nós pedimos. Por que pedimos? Porque,
embora não possamos fazer o que pedimos, estamos diante de quem pode. Além
disso, quando pedimos mostramos que dependemos. Isto faz da oração muito mais
uma demonstração de falta de poder por parte do ser humano, do que de poder.
Por isso, Jesus orientou seus discípulos a não agirem como os fariseus, que
oravam em pé nas praças, a fim de serem vistos, pois aquilo era uma
manifestação de poder diante dos homens.
Ademais, Jesus declara: “vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de
vós lho pedirdes” (Mt 6.8). Ora, se Deus já sabe o que será pedido, como podem
as orações convencê-lo de alguma coisa? Na verdade, o Senhor já decidiu, na
eternidade, as orações que vai responder, porém estabeleceu um mecanismo de
dependência (a oração) para que o ser humano mantenha seu relacionamento com
Ele e exercite sua fé. Pensando assim, a conclusão inevitável é que a oração é
uma necessidade humana, é a atitude que revela sua fé em um Deus todo-poderoso que
restaurou por Sua infinita graça a comunhão entre Ele e o homem. Por conhecer
quem são os que manifestarão essa atitude, bem como sondando seus corações
antes que nascessem, é que Deus já determinou como agirá.
Diante dessas asserções fica difícil entoar cânticos que afirmam crer no
“poder” da oração. Até porque, a oração não tem poder, ela é eficaz, ou seja,
dá certo, o que é bem diferente. O texto de Tiago 5.16, que diz: “...a oração
feita por um justo pode muito em seus efeitos”, não defende o poder da oração,
mas sua eficácia. Tiago destaca: “em seus efeitos”. Isto é, ela produz
resultado.
Muitos crentes atuais andam em busca de “poder”, e o pior de tudo é que
esse “poder” está mais relacionado ao misticismo do que ao Evangelho. Pensa-se
muito em energização, ou seja, em acumulação de poder, o que lembra alguns
jogos de videogame, como o Street Figther,
onde o personagem liberava seu poder (Hadouken),
e quem liberasse mais poder vencia o outro. A maioria dos “crentes poderosos”
estão adulterando, sonegando impostos, vendo pornografia, etc. Normalmente,
esses são responsáveis pelos maiores escândalos.
A vida cristã não é um jogo de videogame, não saímos por aí lançando
magias e golpes que aprendemos com amigos mais experientes. Ser cristão é
depender de Deus, é reconhecer que não tem poder, é orar entendendo que se
alguém tem poder, esse alguém é Deus. Portanto, é preferível ser um crente sem
poder, pois como o apóstolo Paulo disse: “quando estou fraco, então sou forte”
(2 Co 12.10).
EU QUERO SER UM CRENTE SEM PODER!
Pr. Cremilson Meirelles
CRENTES SEM PODER
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
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23:06
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