Como
cristãos de linha conservadora, entendemos que tudo o que fazemos deve ser
norteado pelas Escrituras Sagradas. Afinal de contas, Ela é para nós a única
regra de fé e prática. Sendo assim, cada uma de nossas atitudes deve,
necessariamente, passar pelo crivo da Palavra de Deus; desde as canções que
entoamos (Efésios 5.19), até a maneira pela qual o culto é conduzido
(1Coríntios 14.40).
Tomando
como base esses pressupostos, pretendo analisar uma prática muito comum na
igreja contemporânea: a dança; um dos elementos mais presentes nos cultos da
pós-modernidade. Há “danças proféticas”, “danças espontâneas”, coreografias. Já
existe até um curso de “Bacharel em Dança Gospel” (o povo não tem mais o que
inventar!)! Basta pesquisar na internet que você encontrará. É importante,
entretanto, frisar que a intenção deste texto não é proibir e nem autorizar
a dança, mas apenas provocar uma reflexão sobre o tema.
Bem,
conforme destacamos acima, a maioria das igrejas do “mundo gospel” permite e
incentiva a dança em seus momentos de culto. Contudo, sabemos que, o simples
fato de muitos o fazerem, não significa que está automaticamente aprovado. Um
exemplo disso é o Cristianismo primitivo, pois, no início, a igreja de Jesus
era minoria; o que “todo mundo fazia” era bem diferente das práticas cristãs,
mas nem por isso os discípulos desistiram da caminhada. Eram poucos, porém
estavam convictos de que “mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos
5.29).
No entanto,
diante de tudo isso, as igrejas históricas se veem encurraladas, pressionadas a
seguir as tendências do mundo gospel, sob a ameaça daqueles que, sem base
bíblica, apelam para o senso comum. Desse conflito, brota um questionamento que
já atravessa algumas décadas: a dança faz parte do culto ou não? Há quem diga
que faz, argumentando que Miriam (Êxodo 15.21) e Davi (2Samuel 6.14) dançaram.
Só que, ao analisarmos seus respectivos contextos, percebemos que essas "danças" não aconteceram em momentos de culto. Na verdade, elas
foram resultado da transbordante alegria que encheu o coração daqueles servos
do Senhor. Miriam, por exemplo, se uniu a outras mulheres em um momento festivo
e informal, a fim de comemorar a vitória concedida ao seu povo. Porquanto, além
de terem atravessado, em seco, o mar vermelho, seus perseguidores se afogaram quando
as águas se fecharam. De igual modo, o rei Davi dançou enquanto a arca do
Senhor era transportada para Jerusalém, ou seja, numa ocasião informal, não num
momento de culto. Aliás, deve-se levar em conta também que ambos os textos são
narrativos. Ora, textos narrativos não visam estabelecer doutrinas, apenas
relatam o que aconteceu. As doutrinas são construídas a partir dos textos
normativos. No máximo, um texto narrativo pode servir para exemplificar uma
prática estabelecida por um texto normativo. E, sinceramente, não há um texto
normativo sequer que apoie a dança como elemento do culto.
Por
outro lado, sabemos que o salmo 150.4, pelo menos na versão Revista e
Atualizada, afirma: “Louvai-o com adufes e danças”. Por conta disso, os
defensores da “dança gospel” usam esse texto como evidência da aprovação divina
da dança no culto. Porém, se considerarmos o contexto ao qual o versículo em
questão pertence, veremos que o culto descrito no salmo não é o culto prestado
pelos israelitas no templo de Jerusalém. Basta ler o primeiro versículo:
“Aleluia! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento, obra do seu
poder”. Aqui vemos claramente o uso de um recurso da poesia hebraica chamado
paralelismo, o qual consiste na repetição de ideias a partir do uso de palavras
semelhantes. Este recurso é largamente empregado no Antigo Testamento. Um
exemplo claro disso é o salmo 24.1: “Ao SENHOR pertence a terra e tudo o que
nela se contém, o mundo e os que nele habitam”. A mesma coisa foi dita, mas com
palavras distintas. Da mesma forma, no salmo 150.1, a mesma ideia é repetida, a
saber: Deus deve ser louvado no firmamento, ou seja, no céu. A adoração a Ele
não pode ser limitada a um lugar específico. Tudo o que fazemos, tudo o que
temos deve ser usado para exaltá-lo, onde quer que estejamos.
Por
conseguinte, concluímos que o texto comumente utilizado para justificar a dança
no culto coletivo (Salmo 150.4) faz parte de um contexto maior que não trata da
adoração realizada no templo e nem mesmo dos momentos de culto. Na verdade, a
intenção do salmista era conclamar toda criatura (anjos, homens e animais) a
louvar o Senhor. Isto fica evidente quando verificamos o termo hebraico
traduzido como santuário (qādᵉshô),
pois não se trata da mesma palavra usada para templo (hebraico chêchāl). Portanto, a partir do
paralelismo existente, isto é, a repetição de ideias característica da poesia
hebraica, podemos concluir que o santuário mencionado no salmo é o céu, e não o
templo judaico de Jerusalém. De outra maneira, como "tudo que tem fôlego" (Sl 150.6) poderia ser reunido no templo físico? Logo, o salmo em questão não está dizendo o que
deve ser feito no templo por ocasião do culto.
Além disso, mesmo se o salmo 150
descrevesse o que acontecia no culto israelita, de modo algum poderia nortear a
liturgia do culto prestado pela igreja. Até porque, embora os primeiros
cristãos tenham dado a continuidade ao culto do Antigo Testamento, não o
fizeram em todos os seus aspectos, uma vez que o cerimonialismo judaico foi
deixado para trás. Eles optaram por um culto mais simples, inspirado na
liturgia das sinagogas, nas quais se recitava o “shema” (Deuteronômio 6.4-9),
cantavam-se salmos, faziam-se orações, e trechos do Antigo Testamento eram
lidos e expostos. Seguindo esses princípios, o culto cristão primitivo passou a
ser caracterizado por orações, cânticos, leituras do Antigo Testamento, ensino da
Palavra, celebração da Ceia do Senhor e do batismo.
Como podemos ver, a dança, em momento
algum fez parte do culto cristão, e nem do culto judaico. As inovações de hoje
não estão fundamentas nas Escrituras. Nunca houve grupos de dança litúrgica no
culto prestado a Deus. O Novo Testamento diz para falarmos entre nós “com
salmos, e hinos, e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor em
nossos corações” (Efésios 5.19), para falarem dois ou três profetas (1Coríntios
14.29), mas, em momento algum, nos manda dançarmos para adorar a Deus.
Todavia, a falta de base bíblica não é o
único problema da dança no culto coletivo. Há também grande dificuldade de
encontrar sentido nessa prática, visto que, normalmente, segue os padrões de
uma apresentação artística, de modo que o público não cultua, só assiste ao
espetáculo. Ademais, na maioria das vezes, nenhuma mensagem é transmitida.
Tanto, que a escolha da música, dificilmente, é baseada em sua mensagem, mas na
melodia.
Outro problema da dança como elemento de
culto está em sua motivação, a qual, muitas vezes, é massageamento do ego. Isto é, o desejo de
obter destaque, aplausos. Soma-se a isso o incentivo dos pais, que querem ver
seus filhos à frente para poderem fotografá-los e se orgulhar deles. Será que
isso é culto? Sinceramente, penso que precisamos rever nossas motivações.
O culto a Deus deve ser motivado pelo
sincero desejo de adorar o Todo-poderoso, sem preocupação alguma de agradar o público.
Ele procura quem o adore “em espírito e em verdade”. Para isso, não é
necessário dançar. Precisamos, na verdade, fortalecer nosso senso crítico para
não abraçarmos os modismos deste tempo. Tudo o que fazemos deve ser motivado
pelas Escrituras. Porquanto, através delas, o Senhor já nos revelou como
cultuá-lo. Não devemos inventar novas formas. Não é porque todo mundo faz que
algo se torna certo. Reflita nisso. Crer é também pensar.
Pr.
Cremilson Meirelles
A DANÇA E O CULTO COLETIVO
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
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