Muitos são, no meio evangélico, os
elementos apontados como símbolos do Espírito Santo. Dentre eles, os mais
famosos são o fogo, o azeite, o vento, a água e a pomba. Entretanto, tal como
acontece com muitas outras doutrinas, nem todos esses “símbolos” podem ser
justificados biblicamente. As coisas simplesmente são assim, porque os
pregadores dizem que são. Assim, contrariar esse pensamento é, sem dúvida,
encarar um grande desafio. É como dizer para um católico que Maria não permaneceu
virgem. É um artigo de fé. Mesmo assim, dispus-me a enfrentar a resistência
para defender a Escritura. Por isso, neste artigo, pretendo por à prova esses
símbolos, a fim de descobrir se fazem jus à fama que desfrutam.
Pois bem, dentre os “símbolos” relacionados,
só dois deles têm relação direta com o texto bíblico. Em Lc 15.22, por exemplo,
vemos que o Espírito Santo desceu sobre Jesus como uma pomba; os termos grego e
hebraico usados como referência ao Espírito de Deus significam, literalmente,
sopro, ar, vento, fôlego; Contudo, isso não significa que em todo texto em que
esses elementos aparecerem representarão o Espírito Santo. Até porque, a
história da humanidade testifica que todo símbolo é polissêmico, isto é, tem
vários sentidos. O fogo é um claro exemplo disso, visto que ele pode simbolizar
a destruição (vulcão, incêndio, explosão), a purificação (alusão à purificação
dos metais pelo fogo), a transformação (metalurgia), a iluminação, o poder
(para destruir – flechas inflamadas) e a segurança (fogueira na floresta).
Essa variedade de significados é bem
clara no texto bíblico. O fogo, ao contrário do que defendem alguns pregadores,
em muitos textos é símbolo do juízo divino (Dt 32.22; Jr 4.4; 15.14; Ez 22.21;
Na 1.6). O próprio Deus, inclusive, é comparado a um fogo devorador (Dt 4.24;
Hb 12.29). Da mesma forma, quando Jesus se refere à condenação eterna usa a
ideia do fogo (Mt 3.10-12; 7.13; 25.41; Mc 9.43). Por outro lado, houve
momentos em que a presença de Deus foi representada pelo fogo (Êx 13.21;
19.18), a fim de enfatizar sua santidade (ninguém poderia se aproximar dele,
tal acontecia com o fogo). O fogo foi usado também para simbolizar um amor
intenso (Ct 8.6), a língua injuriosa (Pv 16.27; Tg 3.5), a impiedade (Is 9.18),
e até a Palavra de Deus (Jr 23.29). Em nenhum lugar, entretanto, encontramos o
fogo como símbolo do Espírito Santo. Em At 2.4, por exemplo, há a menção de
“línguas como que de fogo”, não “de fogo”. Sem dúvida, trata-se de uma teofania, ou seja, uma manifestação de
Deus no plano físico, e não um símbolo exclusivo do Espírito Santo. Outrossim,
no texto de Mateus 3.11, o emprego do fogo, claramente, diz respeito ao juízo
divino. Logo, O FOGO NÃO É SÍMBOLO DO ESPÍRITO SANTO.
Assim como ocorre com o fogo, ao azeite
é atribuída uma simbologia que não lhe cabe. Porquanto, embora o uso figurado
do azeite nas Escrituras seja bastante variado, não há respaldo para afirmar
que esse elemento seja “símbolo do Espírito Santo”. Em Pv 21.17, por exemplo,
aparece como símbolo da extravagância; em Sl 45.7 é usado para simbolizar a
alegria; em Jl 1.10, a ausência do
azeite é símbolo do desprazer divino; por outro lado, em Jl 2.24 sua abundância
é vista como símbolo do favor do Senhor; em Lc 7.38, vemos que o óleo é usado
em um gesto de boas-vindas; o azeite também era reconhecido como um medicamento
entre os judeus (Isaías 1:6; Marcos 6:13; Lucas 10:34 e Tiago 5:14); em Lv
8.10-12, 1Sm 10.1, Is 61.1 o azeite representa a consagração (a dedicação a
Deus, separação para o serviço divino ou uso no culto) de pessoas e objetos a
Deus, mas, em hipótese alguma, a Escritura dá indícios de que seja um símbolo
da presença do Espírito Santo, até porque Este jamais viria sobre objetos. É
claro, porém, que aqueles que eram consagrados normalmente tornavam-se alvos da
ação do Espírito de Deus, visto que sem a capacitação dada por Ele jamais
poderiam exercer a tarefa que lhes fora confiada. Contudo, isso não transforma
o azeite em “símbolo do Espírito Santo”.
Outro
texto muito usado para defender o azeite como símbolo do Espírito Santo é Mt
25.1-13, a parábola das dez virgens. Todavia, não há nenhuma evidência no
texto, nem fora dele, que nos leve a essa conclusão. Ora, Jesus se remete a um
público que ainda não havia experimentado a presença contínua do Espírito, até
porque Ele só viria em At 2. Logo, como poderia Cristo alertá-los sobre a busca
de algo que eles nem haviam experimentado. Além disso, a parábola das dez
virgens complementa a parábola dos dois servos (Mt 24.45-51), que a antecede.
Nela Jesus descreve mais uma vez a condição em que os discípulos estarão por
ocasião de seu retorno, se não estiverem preparados. Por isso, o noivo (Cristo)
é a figura central, não o azeite. As virgens representam a igreja, composta de
crentes genuínos e falsos. A diferença principal entre as virgens não é a
quantidade de azeite, mas o fracasso das néscias no tocante à preparação para a
vinda do noivo. Isto é, os verdadeiros cristãos estarão sempre preparados, os
falsos confiarão na santidade alheia para serem salvos. Com isso, o texto
enfatiza o caráter individual da salvação. Isto fica patente, na resposta de
Jesus às virgens loucas: “em verdade vos digo que vos não conheço” (Mt 25.12).
O noivo nem as conhecia, ou seja, elas representam as pessoas que embora façam
parte do convívio da igreja local, nunca foram igreja no sentido universal do
termo, eram o joio no meio do trigo.
De modo algum, o azeite poderia
simbolizar o Espírito Santo nesse texto, pois as néscias queriam comprar mais
azeite. Ora, o Espírito Santo não pode ser comprado. Simão tentou fazê-lo e foi
repreendido por Pedro (At 8.18-20). Ademais, em momento algum, no texto em pauta,
Jesus fala do Espírito Santo. Esse não é o propósito da parábola. Contudo, a
despeito do silêncio de Jesus em relação a esse simbolismo, muitos pregadores
têm visto o Espírito Santo em todo e qualquer lugar da Escritura em que há
menção de azeite ou óleo.
Entretanto, há de se observar que, em
1Jo 2.20-27, a Escritura compara o Espírito Santo à unção derramada sobre os
reis e sacerdotes. Vale ressaltar, no entanto, que o referido texto não diz que
o azeite é o Espírito Santo, mas que a antiga unção do Velho Testamento, que
tinha como finalidade consagrar o indivíduo a Deus, foi substituída pela
presença permanente do próprio Espírito Santo. Só nessa situação há alguma
relação entre o Espírito Santo e o azeite. Logo, O AZEITE NÃO É SÍMBOLO DO
ESPÍRITO SANTO.
Mas, e quanto à água? Será que há alguma
relação com a 3ª pessoa da Trindade? Conforme explica o historiador romeno
Mircea Eliade (2008) a água, como todo símbolo, possui um caráter polissêmico. Assim,
em muitas culturas ela é vista como fonte da vida, da imortalidade, da
juventude, como princípio da cura, símbolo da purificação e do renascimento. Na
água tudo se dissolve. Destarte, a imersão simboliza a dissolução do antigo ser,
enquanto a emersão aponta para o seu renascimento. Isto porque, a água é fonte
de vida por excelência. Por outro lado, esse elemento, quando em grande volume,
possui um aspecto negativo, simbolizando sofrimento, morte, destruição.
Tal como ocorreu com o fogo e o azeite,
devido à sua grande variedade simbólica, a água facilmente adentrou o cenário
religioso. Houve, inclusive, no paganismo, diversas divindades associadas às
águas (Poseidon, Coventina, Yam, Enki, etc). De igual modo, na Bíblia, a água é
largamente empregada de maneira simbólica. No Antigo Testamento, por exemplo,
as bênçãos divinas são descritas como águas abundantes (Sl 1.3; 23.2; Jr
17.7,8). Por isso, o anseio pelas bênçãos de Deus é retratado, em alguns
trechos, como sede ou anelo (Sl 63.1; 143.6). O próprio Deus chama a si mesmo
de “manancial de águas vivas” (Jr 2.13; 17.13). A água é vista também, no
contexto veterotestamentário, como agente de purificação (Nm 19.7-9, 20;
31.23). O efêmero era aludido com base na água corrente (Jó 11.16). Porém, em
virtude de seu aspecto destrutivo, às vezes, a água simbolizava a aproximação
dos inimigos (Jr 47.2; Is 8.7,8; 17.12) ou perigos iminentes (Sl 88.15-18; Os
5.10).
No Novo Testamento, Jesus também utiliza
o simbolismo aquático em suas mensagens, para aludir à salvação e seus
benefícios (Jo 4.10-14; 7.37-39), usando a água como símbolo da nova vida que
Ele oferecia. Isto é, assim como Deus, no Antigo Testamento, era a fonte das
águas, Jesus se apresenta para funcionar do mesmo modo que Deus. Em João
7.37-39, entretanto, a metáfora da água viva indica que o Espírito Santo, tal
como ocorre com a água corrente, seria abundantemente derramado sobre aqueles
que cressem. Não seria mais como no Antigo Testamento, quando Ele vinha sobre
alguém por um período limitado. Isto é, o Espírito seria derramado como água
sobre uma terra sedenta (Jl 2.28; Is 44.3). Essa aplicação não significa que
Ele seja representado pela água, mas que “como a água” Ele seria derramado. Isto
é, Jesus toma emprestada a imagem do fluxo constante da água corrente e a
aplica à concessão do Espírito, não ao Espírito em si. Da mesma forma, em Atos
1.5, Jesus usa o batismo físico para aludir ao derramamento do Espírito Santo. Ele
faz isso, não porque a água simboliza o Espírito Santo, mas porque ela é vista
como fonte da vida física, assim como o Espírito Santo é a fonte da vida
espiritual. Daí a ideia de ser mergulhado no Espírito. Porquanto, tal como
ocorre com os peixes, que só têm vida física dentro d’água, só há vida
espiritual no Espírito Santo. Por isso, como diz Romanos 8.9, “se alguém não
tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”.
Por conseguinte, afirmar que a água tem
uma relação simbólica com o Espírito Santo não é mentira. Não obstante, afirmar
que a água é um símbolo do Espírito Santo é limitar seu simbolismo. Até porque,
há diversos outros textos em que a água simboliza outras realidades. Contudo,
para defender essa ideia, muitos usam até textos que nada têm a ver, como, por
exemplo, Gn 1.2, onde o Espírito de Deus paira sobre a face das águas. A ação
do Espírito ali é o foco, não a água. O fato de Ele pairar sobre as águas,
representa, na verdade, a geração da vida. Assim, para evitar os equívocos
cometidos por muitos pregadores, é melhor verificar o contexto de cada texto
individualmente antes de fazer afirmações que dizem respeito a toda a
Escritura.
Pr. Cremilson Meirelles
ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões. Tradução de Fernando Tomaz e Natália Nunes. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Pr. Cremilson Meirelles
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAMPLIN, Russel Norman. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo: volume 6: dicionário – A – L. 2 ed. São Paulo: Hagnos, 2001.
ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões. Tradução de Fernando Tomaz e Natália Nunes. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
SÍMBOLOS DO ESPÍRITO SANTO
Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles
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Discordo completamente, todos estes símbolos são demonstrados com clareza em toda a Bíblia.
ResponderExcluirEsta inovação não tem base concreta na Palavra de Deus.
Você tem o direito de discordar. Porém, discordo de você também. Porquanto, não consigo encontrar nas Escrituras a fundamentação para dizer que tais coisas são símbolos do Espírito Santo.
ExcluirConhecimento EXTRAORDINARIO! Trouxe muito conhecimento! Parabéns Pr. Cremilson pelo TEXTO!
ResponderExcluirObrigado.
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