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DEUS PROMÍSCUO? EU HEIN!




Noutro dia, deparei-me, na internet, com um sermão intitulado “Jesus: o Deus promíscuo”. Embora o título, por si só, tenha produzido certa desconfiança em relação ao conteúdo, decidi assistir, a fim de verificar do que se tratava. Surpreendi-me ao perceber que o pregador, um teólogo de renome, fez considerações que davam a entender que a conversa entre Jesus e a mulher samaritana (João 4.3-42) poderia ter uma conotação sexual. Isto porque, de acordo com o referido pregador, a expressão “água viva” (João 4.10), utilizada pelo Filho de Deus, seria um eufemismo (figura de linguagem que emprega termos mais agradáveis a fim de suavizar uma expressão) para a ejaculação do sêmen. Sendo assim, ao oferecer a “água viva”, a declaração de Jesus teria dado margem para que a mulher imaginasse que o Cristo desejava ter intimidade com ela, o que, conforme defendeu o pregador, provavelmente, passou pela cabeça dela. Será que essa argumentação tem fundamento? A fim de responder esse questionamento, analisaremos o uso da expressão “água viva” ao longo das Escrituras Sagradas.
Em primeiro lugar, é importante salientar que, se realmente “água viva” é uma expressão de “duplo sentido”, podendo significar, inclusive, “esguicho de sêmen”, como disse o pregador, quem ouviu o discurso de Jesus em João 7.37,38 deveria ter concluído que, se cresse n’Ele, nunca mais correria o risco de se tornar impotente. No entanto, a conclusão dos ouvintes não foi essa. Ao contrário, como diz a Bíblia, “muitos da multidão, ouvindo essa palavra, diziam: Verdadeiramente, este é o Profeta” (João 7.40). Ora, se Jesus, usando as mesmas palavras gregas, ydor (água) e záo (viva), sem nem ao menos explicar o sentido em que as empregou (quem explica, na verdade, é o evangelista – João 7.39), foi reconhecido como “o profeta” (certamente, uma referência ao profeta anunciado por Moisés, em Deuteronômio 18.15), como, pois, a mulher samaritana poderia pensar diferente?
Outrossim, conquanto a expressão “água viva” permita uma dupla interpretação, claramente, à luz do contexto, pode-se perceber que nenhum dos caminhos hermenêuticos levaria a mulher a cogitar a conjunção carnal com o Filho de Deus. Porquanto, na resposta da mulher fica evidente que a mesma entendera literalmente a assertiva de Jesus: “Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva?” Isto é, ela entendeu que a “água viva” seria o mesmo que “água nascente” ou “água corrente”, expressão que aparece em Gênesis 26.19 referindo-se à água que brota do solo. Por isso, os obstáculos colocados por ela são: a falta de um balde com corda e a profundidade do poço (João 4.11). Afinal, como alguém conseguiria extrair a tal “água viva”, que borbulha no fundo do poço, por baixo da água parada, que fica na parte superior, sem nenhum equipamento? Sendo assim, fica bem claro que a “dupla interpretação” presente no texto é literal (entendimento da mulher) e metafórica (perspectiva de Jesus), e não eufêmica, como afirmou o pregador.
Não obstante, é importante ressaltar que há, no hebraico bíblico, um termo que, embora signifique “emissão de sêmen” (shᵉkābâ), é usado, de certa forma, para referir-se à água. Todavia, isso só ocorre em um único texto (Êx 16.13,14), no qual o termo designa a “camada” de orvalho no chão, e não a água corrente ou nascente. Em todos os outros textos, entretanto, a mesma palavra (shᵉkābâ) dá a ideia de “ejaculação”. Além disso, há uma expressão hebraica bem específica para designar “água viva”. Trata-se do hebraico mayim hayyîm, normalmente, traduzido como “água viva”, “água nascente” ou “água corrente” (Gênesis 26.19; Levítico 14.5; Números 19.17). Essa expressão, em momento algum dá margem para uma tradução “imprópria para menores” ou com “conotação sexual”. Logo, a declaração do pregador é falsa.
Apesar disso, alguns intérpretes, visando absolvê-lo, argumentam, com base nas informações do dicionário online de hebraico e grego bíblico, disponível no site http://dosenhor.com, que o termo mayim pode significar, por eufemismo, “urina” ou “esperma”. É bem verdade que o eufemismo relativo à urina é muito bem atestado por diversos dicionários. Porém, o suposto sentido de “sêmen” carece que respaldo linguístico. Acerca disso, é importante sublinhar que o dicionário de Hebraico-Português e Aramaico-Português (KIRST, 2004) coloca em dúvida esse “eufemismo”. Até porque, mesmo que houvesse tal possibilidade, o fato de essa palavra ser usada nas Escrituras com vários sentidos diferentes, torna difícil concluir que, com tantas interpretações possíveis, a mulher samaritana optasse logo por um eufemismo incerto. Senão vejamos: o hebraico mayim é empregado na Bíblia como “águas dos rios” (Nm 24.6) e “dos mares” (Êx 14.21), “água para ablução ritual” (Êx 29.4), “suco”, como metáfora para o anelo por Deus (Sl 42.1), e como lágrimas que escorrem (Jr 9.18). Ademais, ainda que esse “significado” (esperma) fosse válido, diria respeito apenas ao termo mayim, e não à expressão mayim hayyîm, haja vista que esta nunca foi utilizada como referência ao “jorro” do líquido seminal.
Outro aspecto importante no tocante ao uso de mayim, é que, no contexto conjugal, o termo aparece como metáfora para a conjunção carnal. Dessa maneira, “beber da própria fonte descreve o prazer sexual com a esposa (Pv 5.15; Ct 4.15), enquanto beber águas roubadas descreve relacionamentos ilícitos com uma meretriz (Pv 9.17)” (VANGEMEREN, 2011, p. 931). No entanto, assim como mencionamos acima, além de se tratar de uma metáfora restrita ao casamento, esse significado diz respeito somente ao hebraico mayim, e não à expressão mayim hayyîm, visto que esta não possui essa conotação. Basta verificar seu uso nas Escrituras!
Inobstante, temos de reconhecer que, conquanto seja necessário traçar um histórico do uso da expressão “água viva”, a fim de apresentar o pano de fundo cultural do diálogo entre Jesus e a samaritana, essas informações são insuficientes para fechar a questão. Isto porque, embora o encontro narrado em João 4 tenha sido escrito em grego,  o diálogo se deu em aramaico. Logo, para uma análise mais precisa, é imprescindível verificar a versão aramaica das Escrituras: a Peshita. Ao fazer isso, fica evidente a correspondência de sentido, uma vez que a expressão “água viva”, usada em João 4.10, é traduzida pelo aramaico mayāʼ chayēʼ, construção bastante similar ao hebraico mayim hayyîm, que significa, literalmente, “água viva”, sem qualquer conotação sexual.
Em face disso, resta-nos agora analisar a expressão no grego koiné (idioma empregado na redação do Novo Testamento). Todavia, como os textos neotestamentários foram construídos a partir de uma mentalidade judaica, a expressão “água viva” deve ser analisada à luz do grego da Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento). Porquanto, só assim os “hebraísmos” dos evangelhos poderão ser reconstruídos. Seguindo esse raciocínio, verificamos que em Gênesis 26.19, na Septuaginta, a expressão grega usada para traduzir o hebraico mayim hayyîm, é mesma empregada pelo evangelista em João 4.10 e em 7.37,38, a saber: ydratos (outra forma de ydor = água) zontos (outra forma de záo = viva). Ora, essas palavras não têm ligação alguma com a ejaculação. Aliás, o grego possui uma palavra bem específica para isso; trata-se do termo “esperma”. Por conseguinte, a conclusão inevitável é que, se as palavras são as mesmas, o sentido também deve ser o mesmo. Até a mulher samaritana compreendeu isso! Tanto, que associou a “água viva” ao poço, tal como ocorre em Gênesis 26.19. Portanto, a afirmação feita pelo pregador não tem fundamento.
            Outra imprecisão que aparece na prédica em questão é a afirmação de que Jesus teria empregado o termo bā‘al ao solicitar que a mulher chamasse seu marido, haja vista que, conforme o pregador, marido, na Bíblia, é bā‘al. No entanto, ainda que o termo bā‘al, dependendo do contexto, possa ser traduzido como marido, não é a única palavra utilizada para isso; pois, tanto no hebraico quanto no grego há mais de uma palavra empregada com referência ao marido. A primeira palavra usada nesse sentido é o hebraico îsh (Gn 3.6), que também pode ser traduzido como “homem”. Acerca desse termo, é necessário frisar que ele está presente na esmagadora maioria das vezes em que a palavra “marido” aparece em nossas Bíblias. O hebraico bā‘al, ao contrário, só é usado como referência ao cônjuge varão quando o contexto indica senhorio ou pertencimento. Por exemplo: quando Abimeleque tomou Sara, pensando que fosse solteira, Deus o advertiu em sonhos, declarando que ela tinha um bā‘al (Gênesis 20.3). Isto é, ela pertencia a outro homem. Há ainda outros termos utilizados com menor frequência para designar o marido, porém é muito mais provável que o termo ʼîsh tenha sido usado na fala de Jesus. Afinal de contas, esse é o uso mais comum da palavra. Talvez, por essa razão, as versões hebraicas do Novo Testamento tragam ʼîsh como tradução do grego andra (marido). Entretanto, a bem da verdade, cabe sublinhar que, no versículo 18 do capítulo 4 de João, as versões hebraicas traduzem o grego andras (maridos) pelo hebraico bā‘alîm. É claro, no entanto, que a utilização dessa palavra tem o propósito de destacar que a mulher samaritana “pertenceu” a cinco homens, concordando com o uso veterotestamentário do termo. Contudo, embora esse dado forneça alguma fundamentação para o argumento do pregador em pauta, à luz do que foi apresentado acima, fica bem claro que Jesus não mandou a mulher chamar o seu bā‘al, mas sim o seu ʼîsh.
Ademais, como se não bastasse, o pregador foi ainda mais longe: comparou os fundamentalistas cristãos aos fundamentalistas islâmicos! Ora, isso é claramente um absurdo! O fundamentalismo cristão nada tem a ver com o fundamentalismo islâmico! Na verdade, o chamado “fundamentalista cristão” é o cristão que defende os fundamentos da sua fé. Foi assim que os conservadores norte-americanos ficaram conhecidos a partir de 1920, em razão de seus embates com os adeptos do liberalismo teológico. Há quem pense que o nome tenha sido cunhado por Curtis Lee Laws, uma vez que, em 1920, ele o utilizou no jornal the baptist watchman examiner para referir-se àqueles que lutavam pelos fundamentos da fé cristã, a saber: a crença na inerrância da Bíblia; o nascimento virginal e a divindade de Cristo; a morte vicária e expiatória de Jesus Cristo; a ressurreição pessoal de Jesus Cristo e a segunda vinda de Cristo. Apesar disso, segundo Leonardo Boff (2002), “o termo foi cunhado em 1915, quando professores de teologia da Universidade de Princeton publicaram uma enorme coleção de doze livros que vinha sob o título Fundamentals. A Testemony of the Truth (1909-1915)”.
Contudo, enquanto o fundamentalismo cristão surgiu como uma reação a um movimento que brotou no seio do cristianismo, o fundamentalismo islâmico originou-se da insatisfação dos muçulmanos diante do domínio britânico no Egito e da criação do Estado de Israel. Isto é, sua origem está muito mais ligada à política que à religião. Senão vejamos: em 1928, propulsionados pelos ensinos de Hasan Al Banna (1906-1949), um professor egípcio da cidade do Cairo, os muçulmanos da região se uniram e fundaram a Sociedade dos Irmãos Muçulmanos; uma irmandade caracterizada pela rejeição do colonialismo britânico e dos valores ocidentais. Seguindo esse espírito, Banna formulou alguns pontos fundamentais que passaram nortear suas ações: “(1) interpretação do Alcorão no espírito da época; (2) unidade das nações islâmicas; (3) melhoria do padrão de vida e conquista de justiça e ordem social; (4) combate ao analfabetismo e à pobreza; (5) emancipação do domínio estrangeiro; (6) promoção da paz e da fraternidade islâmicas no mundo.” (ARMSTRONG, 2001, p. 188).
Após a criação do Estado de Israel e a derrota dos exércitos árabes diante dos israelitas, a revolta levou a irmandade a fazer do terrorismo o meio para a consecução de seus objetivos. Então, em 1951, Abul Ala Mawdudi (1903-1979), jornalista e político paquistanês, baseando-se na doutrina da soberania divina, redigiu diversos textos nos quais advogava a instauração do Estado islâmico, ou seja, um Estado baseado no alcorão e nos fundamentos do Islã, o qual, segundo Mawdudi, deveria ser totalitário. Partindo desse pressuposto, Mawdudi propunha uma jihad (luta) universal; uma espécie de “luta revolucionária para assumir o poder pelo bem de toda a humanidade”. Sayyid Qutb (1906-1966), influenciado por esse pensamento, desenvolveu ideias ainda mais radicais, cuja divulgação levou os muçulmanos a se revoltarem contra toda cultura ocidental. A partir daí, diversos outros grupos extremistas surgiram, disseminando o terror no mundo.
Sem dúvida, a ação terrorista de fundamentalistas islâmicos fez com que houvesse uma generalização do fundamentalismo como uma postura que, inevitavelmente, conduz à violência, fanatismo, bombas, etc. Todavia, como podemos perceber, o fundamentalismo islâmico se alinha muito mais com essa perspectiva, pois visa à instituição de Estados islâmicos e a eliminação de toda cultura ocidental por meio do terrorismo, tal como fizeram os defensores do marxismo no passado. O fundamentalismo cristão, por outro lado, busca vencer a secularização (e não toda a cultura ocidental) através da pregação e do ensino, como fez John Gresham Machen (1881-1937) no Seminário de Princeton no início do século XX. Isto é, enquanto a “luta” do fundamentalismo islâmico se dá no campo físico, a do fundamentalismo cristão se dá no intelectual. Até porque, se levarmos em conta que os fundamentalistas defendem a inerrância e infalibilidade das Escrituras, e estas os concitam a amar até os inimigos, não seria lógico propagar o ódio contra quem quer que seja.
O grande problema é que o discurso dos fundamentalistas cristãos contraria o pensamento secularizado da maioria, que, embora defenda o acolhimento das mais variadas ideologias, costuma encarar toda e qualquer convicção que não se alinhe com seus pressupostos, como fanatismo, radicalismo, terrorismo, ou qualquer outro adjetivo que indique inferioridade intelectual e violência; o que é uma imensa contradição.
Por falar em contradições, no vídeo em questão, o pregador, depois de asseverar que os homossexuais e as prostitutas deveriam ser recebidos à mesa pelos cristãos, e insinuar que os cristãos fundamentalistas jamais permitiriam tal coisa, sugeriu que se um fundamentalista cristão estivesse diante de um cristão liberal e um fundamentalista islâmico, e tivesse de escolher um deles para jantar, certamente, escolheria o muçulmano, haja vista que, segundo o pregador, todo fundamentalista pensa e age da mesma maneira. Ao fazer essa declaração, ele incorreu no mesmo erro de que acusou os cristãos fundamentalistas. Afinal de contas, por que um fundamentalista islâmico deve ser desprezado enquanto prostitutas e homossexuais são acolhidos? Ainda que a situação seja hipotética, não seria isso acepção de pessoas? Sinceramente, creio que um verdadeiro fundamentalista cristão receberia tanto o liberal quanto o muçulmano, uma vez que a pregação do evangelho, enquanto comunicação verbal da mensagem salvífica, a toda criatura (sem exceções) é algo defendido por todo cristão fundamentalista. Assim, enquanto o liberal faz sua opção pelos pobres e marginalizados, o fundamentalista escolhe as Sagradas Escrituras, cujo conteúdo o ensina a não fazer acepção de pessoas.
Além disso, não se pode circunscrever a violência, a intolerância e a inflexibilidade aos arraiais fundamentalistas. Basta ouvir o testemunho da história, a qual, entre 1914 e 1945, registrou cerca de 70 milhões de mortes violentas na Europa e na União Soviética, nenhuma das quais foi motivada pelo fundamentalismo cristão. Ao contrário, como ressalta Armstrong (2001, p. 171),


Algumas das piores atrocidades foram cometidas pelos alemães, que viviam numa das sociedades mais refinadas do continente. Não se podia mais esperar que uma educação racional impedisse a barbárie, pois o Holocausto revelou que o mesmo bairro que abrigava uma grande universidade podia abrigar também um campo de concentração. [...] Até então nenhuma sociedade sequer sonhara em implementar planos de extermínio tão ambiciosos. Os horrores da II Guerra Mundial (1939-45) só terminaram com a explosão das primeiras bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Foi uma terrível demonstração do poder da ciência moderna e o germe do niilismo na cultura moderna. Durante décadas sonhou-se com um apocalipse efetuado por Deus; agora parecia que a humanidade não precisava mais de uma força sobrenatural para destruir o mundo. Com sua prodigiosa capacidade e seus vastos conhecimentos, encontrara os meios de fazer isso por si mesma.

Destarte, mesmo que o referido pregador e seus seguidores vejam o fundamentalismo como algo extremamente maléfico e violento, não encontro razões suficientes para esse raciocínio. Porquanto, do mesmo modo que alguns fundamentalistas demonstram-se violentos e agressivos, muitos liberais, relativistas e esquerdistas agem da mesma forma quando contrariados.
Uma contribuição importante a respeito dessas contradições é feita por Aldo Natale Terrin (1998, p.44), o qual destaca que

ninguém pode olhar a realidade a partir de um Unmaked Place (lugar não-determinado), de um ponto de vista “neutro”, “objetivo”, capaz de captar os limites das posições dos outros sem incorrer, por sua vez, num olhar “deformador” da realidade, que corresponde à sua esfera de influência ou à sua concepção de verdade, isso significa que acusar de fundamentalismo um movimento ou uma religião é já uma “transgressão”, uma vez que se usa um critério de avaliação geral muito aleatório, dado que nasce e se situa inevitavelmente num contexto “perspectivo”, colocando-se com habilidade fora de contextos análogos e além de um horizonte limitado.


À luz de todas essas considerações, e contrariando o pensamento corrente, vejo mais benefícios que malefícios no chamado “fundamentalismo cristão”, visto que, conforme explica o antropólogo Ernest Gellner (1994, p.13),

O fundamentalismo é útil para a sociedade no sentido de que esse movimento torna-se um aliado no reconhecimento do caráter absoluto da verdade, evitando a auto ilusão fácil personificada pelo relativismo universal, nossos antepassados intelectuais. Sem ceder à tentação da veneração excessiva da ancestralidade, é importante referir que lhes devemos o nosso respeito


Outrossim, além das dificuldades mencionadas acima, há afirmações na referida  preleção que dão margem para conclusões universalistas. A mais evidente é: “Deus não é exclusividade dos cristãos”. Isto porque, tal asserção é, na verdade, uma insinuação de que nos outros segmentos religiosos cultua-se a mesma divindade que se revelou por meio da Bíblia. É claro, entretanto, que, ao ler isso, alguém pode objetar argumentando que aquela declaração visava somente desencorajar a ideia de superioridade do cristão em relação ao pagão, e incentivar a prática do amor; só que não é isso o histórico desse pregador dá a entender.
Não obstante, mesmo que saibamos, como cristãos, que somos exclusividade de Deus, devemos entender também que esse Deus que exige exclusividade, exige também que não seja confundido com nenhuma outra divindade. Por isso, em Sua Palavra diz que todos os povos devem saber disso: “[...] para que todos os povos da terra saibam que o SENHOR é Deus e que não há outro” (1Reis 8.60). “Para que se saiba desde o nascente do sol e desde o poente que fora de mim não há outro; eu sou o SENHOR, e não há outro” (Is 45.6).
Visto isso, conquanto o pregador em tela seja detentor de grande carisma e conhecimento, e, por isso, venerado por muitos, penso que suas conclusões e argumentações no vídeo analisado estão equivocadas. Pois, por mais que sua formação o habilite a realizar pesquisas profundas sobre o assunto, expor suas especulações diante de um público que não possui as mesmas ferramentas hermenêuticas, apresentando-as como verdade absoluta, é um grande erro. Porque, inevitavelmente, em razão de sua fama, muitos abraçarão suas declarações como absolutas, trilhando um caminho assaz perigoso e cheio de contradições. Sendo assim, o melhor a fazer é permanecer fiel às Escrituras, e não a pregadores famosos.

Deus o abençoe!

Pr. Cremilson Meirelles



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.



BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.



GELNER, Ernest. Pós-Modernismo, Razão e Religião. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.



GINGRICH, F.Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento – Grego/Português. São Paulo: Vida Nova, 1984.



HARRIS, R. Laird; JR, Gleason L. Archer; WALTKE, Bruce K. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento.  São Paulo: Vida Nova, 1998.



HENDRIKSEN, William. O Evangelho de João. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. Tradução de Elias Dantas e Neuza Batista.


KIRST, Nelson, et al. Dicionário Hebraico-Português e Aramaico-Português. 18 ed. São Leopoldo: Sinodal, 2004. 305 p.



SEPTUAGINTA (editada por Alfred Rahlfs), 2 vol. em 1 vol. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1979.



STERN, David H. Comentário Judaico do Novo Testamento. Belo Horizonte: Atos, 2007.



STRONG, James. Dicionário Bíblico Strong: Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002.



TERRIN, Aldo Natale. O Rito. Antropologia e fenomenologia da ritualidade. São Paulo: Paulus, 2004.



THE NEW COVENANT ARAMAIC PESHITA TEXT WITH HEBREW TRANSLATION. Jerusalém: The Bible Society in Israel, 1986.



VANGEMEREN, Willem A. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Novo Testamento. Traduzido por Equipe de colaboradores da Editora Cultura Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. 2 v.




DEUS PROMÍSCUO? EU HEIN! DEUS PROMÍSCUO? EU HEIN! Reviewed by Pr. Cremilson Meirelles on 23:57 Rating: 5

14 comentários:

  1. Excelente artigo, não deixa margem para dúvidas sobre a polêmica criada sobre o termo "água viva" parabéns!!!

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    1. O pregador foi infeliz devido aos ouvidos não preparados para aquele detalhe fatídico da mensagem. No entanto, penso que ele usou uma possibilidade do que poderia passar pela cabeça de uma "mulher da vida" diante de um homem que se propõe ao diálogo. Uma mulher no 5° marido pode ser candidata a ter relações com um 6°. Mas... O povão evangélico não tá preparado pra ouvir nada que não seja
      "politicamente correto".

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    2. Digo, 5a relação afetiva.

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    3. Observação: o artigo do pr. Cremilson foi muito bem elaborado. Concordo plenamente com o conteúdo e foi bem esclarecedor.

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  2. Parabéns pela bela exposição!

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    1. Obrigado. Deus o abençoe! Há mais textos relevantes no blog. Navegue por ele e confira.

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  3. Eu não assisti o vídeo e acho que não vou assistir. Fico me perguntando: com que finalidade o renomado pregador fez isso? Vivemos tempos difíceis! Um excelente artigo. Um grande abraço.

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    1. É verdade... os tempos são trabalhosos (2Tm 3.1).

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    2. Em tempos difíceis, eu me pergunto porque pastores renomados, fazem apologia a violência, a armas, ouvi o Augusto Nicodemos quase se divertindo falando sobre ter uma arma(até falou o modelo) e atirar entre os olhos de um suposto bandido. Isso me causa estranheza ao pensar no Cristo.

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  4. Excelente artigo. Fiquei muito intrigada com o sermão citado
    e sua explicação trouxe luz às minhas dúvidas.
    Obrigada

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    1. Fico feliz em poder ajudar.
      Há outros textos igualmente esclarecedores e relevantes neste blog. Para ter acesso, basta navegar no blog através das abas localizadas na parte superior da página. Na aba artigos, você encontrará textos mais longos e abordagens mais trabalhadas; na aba pastorais, estão os textos que escrevo dominicalmente para o rebanho que pastoreio; na aba vídeos há uma série de vídeos nos quais discorro sobre o tema "batalha espiritual", criticando as heresias associadas ao moderno movimento de "batalha espiritual" (embora o áudio não esteja muito bom, pelo conteúdo vale a pena assistir); e na aba pregações, estão alguns dos sermões que já preguei, uns escritos e outros em áudio.
      Espero que possa contribuir ainda mais para sua reflexão.

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  5. Seu texto realmente foi bem interessante, mas à semelhança de quem usa uma bazuca pra acertar um mosquito. O pastor pregou uma série de oito mensagens, me parece, tinha uma linha de raciocínio, tinha contexto, assunto. Não acha que exagerou ao pretender refutá-lo por uma expressão que, para quem quiser entender, encontra coerência no assunto e contexto de oito mensagens?
    Porque não faz o mesmo caminho considerando não apenas essa mensagem, mas se valha da série completa. Talvez perceba onde estará o sentido da expressão. ,A não ser, que apenas aproveitasse da oportunidade pra vaidade escapar.

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    1. Obrigado por comentar. Esse feedback é muito importante. A partir dele é possível identificar as ideias que permeiam o imaginário evangélico.
      Dessa forma, tenho percebido que quem tem um grande apreço pelo pregador mencionado no texto em questão, a fim de absolvê-lo, procura desqualificar a crítica ou o autor dela, argumentando que o material analisado é insuficiente ou que o crítico não tem o conhecimento necessário para compreender a exposição daquele pregador. De modo que, se o crítico analisar um trecho da mensagem, ele falhou porque não assistiu todo o sermão; se criticar todo o sermão, ele falhou porque não assistiu toda a série de mensagens; se ele criticar a série de mensagens, ele terá falhado por não ter assistido todos sermões que o indivíduo pregou naquele ano, e assim por diante.
      Ao que parece, não há ser humano que seja suficientemente capaz de tecer alguma crítica contra o tal pregador.
      Me desculpe, mas isso tem aparência de idolatria.

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